Nova licitação do ônibus: prefeitura aberta, processo fechado

Por Daniel Guth

Escrito a 4 mãos com Vitor Leal*

Foto: Elisa Rodrigues/ SPTrans
Foto: Elisa Rodrigues/ SPTrans

Imagine-se lendo um texto de 5 mil páginas no prazo máximo de 30 dias corridos, sem direito a segundo-tempo e prorrogações. Mais: além de ler, você terá que emitir uma opinião embasada e construtiva sobre ele, ou perderá uma chance que só se repetirá daqui 20 anos. Difícil, né? Pois é exatamente isso que a Prefeitura de São Paulo e a SPTrans esperam dos paulistanos, ao estabelecer o prazo de 22 dias úteis para a análise do novo edital de licitação para a concessão do maior sistema de ônibus da América Latina.

Para ler todo o edital, seria preciso finalizar 1 página a cada 2 minutos, durante 8 horas dos 22 dias úteis disponíveis. Sem pausas, sem descansos. Imagine: estão consultando você sobre como será o transporte coletivo até 2035, podendo renovar até 2055, e você só tem 30 dias para comentar. É de se pensar: a quem interessa fazer dessa forma?

À sociedade, claramente não, já que não há possibilidade efetiva de participação.

Foi no dia 09 de Julho, em meio a um feriado, que a Prefeitura de São Paulo publicou este tão esperado edital para a nova concessão dos ônibus. Desde 2013, a sociedade espera por isto, já que a última licitação aconteceu no ano de 2003 com duração de 10 anos. O adiamento ocorreu justamente porque a população foi às ruas em junho daquele ano contra o aumento da tarifa e a Prefeitura decidiu auditar as contas das concessionárias e avaliar os principais gargalos do sistema. Com isso, pretendia discutir melhor com a sociedade o modelo de transportes – o que em certa medida aconteceu.

Mas se o motivo do adiamento por mais de dois anos foi justamente dar mais transparência e aumentar a participação da sociedade, por que então, na reta final, não se permite à ela o tempo mínimo necessário para viabilizar o debate democrático?

O próprio Prefeito Fernando Haddad, na semana passada, foi entrevistado pela Folha de São Paulo e afirmou que “estamos vivendo um momento em que o debate não se estabelece da maneira mais democrática”, mas que sua gestão preza pelas discussões com a sociedade.

Oportunidades que não podem ser desperdiçadas

O novo contrato de concessão vai reger o sistema de ônibus de São Paulo até 2035, com possibilidade de renovação até 2055. Espera-se um custo total de R$ 140 bilhões e uma frota de cerca de 13 mil ônibus. Ainda que ela traga importantes medidas para melhorar a  maneira como nos deslocamos na cidade, é preciso levar em conta diversos outros aspectos, como o redimensionamento dos lucros dos empresários; a modernização da frota; a troca progressiva de matriz energética, de combustíveis fósseis para renováveis; e uma nova matemática de remuneração das viagens, a partir do cumprimento regular das viagens, passageiros transportados, pontualidade e conforto dos usuários.

Vinte anos de concessão – ou quarenta, se houver prorrogação – significa que esta licitação abrangerá a São Paulo de nossos filhos e netos. Ou seja: em que cidade queremos viver, no aspecto da mobilidade urbana e do transporte coletivo, pensando nos próximos 20 ou 40 anos? A resposta não se esgota neste artigo, assim como não pode se esgotar em 22 dias úteis. É preciso envolvimento pleno da sociedade e das organizações nesta decisão, sob o risco de vermos o tema central das manifestações de Junho de 2013 ser vilipendiado pela falta de diálogo, participação e controle social.

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O que se pede, principalmente

– A Licitação fala em respeitar a Lei Municipal de Mudanças Climáticas (lei 14.933/2009), segundo à qual toda a frota da cidade deveria rodar com combustíveis renováveis até 2018. É consenso que isso não será possível, uma vez que a transição deveria ser gradual e não ocorreu. Por outro lado, a licitação não define como essa transição se dará nem o ritmo com que será feita. Sequer faz menção a mecanismos que permitam custear essa mudança de frota com vistas a combustíveis não fósseis e menos poluentes.

– Todos os terminais urbanos da cidade deveriam possuir bicicletários vinculados com uma oferta mínima de vagas relativa à demanda daquele terminal. Assim, além de atender melhor à demanda atual, em que as vagas são insuficientes em muitos bicicletários, seria também um estímulo para promover o uso de bicicleta como transporte complementar ao ônibus. Mais: os bicicletários precisam funcionar 24 horas por dia ou pelo menos no mesmo horário do terminal.

– Previsão de pré-embarque (pagamento antes do embarque no ônibus) ao menos nos corredores troncais.

– Obrigatoriedade de instalação de estação de tratamento de efluentes nas áreas de lavagem das garagens para a reutilização de águas servidas.

– Obrigatoriedade de colocação de painéis solares nas áreas construídas de Terminais Urbanos, Garagens de ônibus e Centro de Comando Operacional (CCO).

– A primeira versão do Plano de Mobilidade (PlanMob) estabeleceu metas consideráveis de crescimento de viagens feitas em bicicleta na cidade. No entanto a licitação de ônibus não estabelece nenhuma correlação com a obrigatoriedade de instalação de racks e/ou prendedores de bicicleta na parte interna ou externa dos ônibus que circulam nos principais corredores da cidade.

– Controle pleno das velocidades, visando coibir abusos de motoristas que aceleram para cumprir seus horários e colocam a vida de todos em risco, e fiscalização dos tacógrafos feita diretamente pelo poder público – e não pelas próprias empresas.

– Cursos e capacitações frequentes com motoristas de ônibus visando respeito à vida, especialmente aos modos ativos de transporte: mais frágeis no trânsito.

 

*Vitor Leal é comunicador social com MBA em gestão de sustentabilidade e membro-fundador da Ciclocidade. Por cinco anos manteve um blog sobre sustentabilidade e cidades humanas e hoje atua na campanha de Mobilidade do Greenpeace Brasil.