Pesquisa inédita traça o perfil dos ciclistas em SP e quebra mitos

Por Daniel Guth
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Às vésperas do Dia Mundial Sem Carro a Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo apresentou à sociedade os dados de uma inédita pesquisa sobre o perfil de quem usa bicicleta na cidade.

Mais de 1800 questionários foram aplicados, compreendendo três recortes regionais (centro, intermediário e periferia); pontos com e sem infraestrura e também locais de intermodalidade – notadamente bicicletários nas estações de trem, metrô e terminais de ônibus. A pesquisa e a metodologia foram realizadas conjuntamente com a ONG Transporte Ativo e com o Observatório das Metrópoles.

Os resultados supreenderam pelo ineditismo, ou seja, por ter sido a primeira pesquisa com este nível de profundidade e interesse no perfil de quem usa bicicleta na cidade, mas também pelo conjunto de dados que rompem com alguns mitos e sensos comuns historicamente associados à cultura da bicicleta. Aqui elenco alguns deles:

“A bicicleta só é boa para curtas distâncias”

Na verdade a bicicleta é um bom veículo TAMBÉM para curtas distâncias. A afirmação de que distâncias que superam 5 km não seriam indicadas para se fazer em bicicleta é não apenas falaciosa em si, como também revela um desejo íntimo de desqualificar e diminuir este importante meio de transporte na cidade.

Gráfico 1

“Mulheres pedalam menos e fazem distâncias mais curtas do que os homens”

Mais um mito (sexista) quebrado. Estatisticamente há pouquíssima – ou nenhuma – diferença na cultura do uso de bicicleta entre os gêneros. Seja no tempo de deslocamento, nas distâncias ou mesmo na frequência com que usa bicicleta como meio de transporte durante a semana. Veja os dados abaixo:

Gráfico 2 - gênero

Gráfico 3 - gênero

A diferença gritante que há, entre os gêneros, encontra-se no volume, na quantidade total de mulheres que de fato pedalam em São Paulo – dado sobre o qual a pesquisa de perfil não se debruça, por compreender somente as pessoas que já se utilizam da bicicleta como meio de transporte.

Pela média das contagens de ciclistas realizadas em diversos pontos da cidade, as mulheres representam apenas 6% do total – um dado gravíssimo, muito triste e que precisa ser melhor investigado por quem estuda a mobilidade urbana nas cidades.

“Ciclovias têm que servir como redes alimentadoras de estações de trem, metrô e terminais de ônibus”

Dentre os engenheiros de tráfego de visão mais rodoviarista, a ideia de que bicicletas são funcionais, como veículo, apenas para curtas distâncias, levou-os a um equivocado entendimento de que infraestrutura cicloviária só poderia ser planejada e implantada se atendesse à relação de intermodalidade da bicicleta com os meios de transporte de alta capacidade. Vejam a opinião do engenheiro de tráfego Luiz Fernando di Pierro, em uma reportagem do Jornal Nacional de Março deste ano.

Evidentemente que há um contingente importante de pessoas que se utilizam dos bicicletários nas estações de trem, metrô e nos terminais de ônibus. Igualmente óbvio é o fato de que estas infraestruturas são fundamentais e devem ser ampliadas e melhoradas – especialmente nos bairros mais distantes do centro. No entanto a pesquisa traz dados que revelam uma característica muito interessante dos ciclistas paulistanos e que aponta para outro caminho de análise e compreensão da cultura deste meio de transporte: o exclusivismo nos deslocamentos.

Gráfico 4

Entre os ciclistas que usam bicicleta há mais de 5 anos e mesmo com quem o faz há menos de 1 ano, é predominante o desejo e a cultura de se utilizar da bicicleta como um veículo porta-a-porta, ou seja, de origem e destino exclusivamente em cima de uma bicicleta.

Verificando o gráfico das distâncias percorridas no principal deslocamento, segundo recorte geográfico, observamos que no recorte periferia o percentual de entrevistados que fazem distâncias superiores a 10 km é o mesmo do que aqueles que fazem distâncias entre 2 e 5 km.

Gráfico 5

“Ninguém usa essas ciclovias”

Quem passa dirigindo um carro, olha para o lado e não vê uma bicicleta passando em uma ciclovia, logo poderia pensar isto. Mas qual a relevância deste empirismo? Do ponto de vista técnico, nenhuma.

Primeiro porque as contagens de ciclistas já desmontam completamente este argumento. Cito aqui três casos:

Ciclovia da Av. Eliseu de Almeida, que liga Taboão da Serra com a região do Butantã. Antes da ciclovia passavam pouco mais do que 500 ciclistas nesta Avenida, durante o período de contagem (das 6h às 20h). Poucos meses após a inauguração da ciclovia, o número pulou para 1.245 ciclistas no mesmo período – ou 89 ciclistas por hora. Um aumento superior a 100%.

Ciclovia da Avenida Faria Lima, que está sendo estendida à Av. Pedroso de Moraes e à Av. Hélio Pellegrino, até o Parque Ibirapuera. O volume de ciclistas já impressiona, mesmo esta sendo uma ciclovia ainda em implantação plena. Em uma Avenida onde antes praticamente nenhum ciclista se aventurava hoje passam 1.941 pessoas em bicicletas, das 6h às 20h. São 139 ciclistas por hora, somente nesta ciclovia.

Ciclovia da Avenida Paulista. O volume de ciclistas na avenida desde a inauguração, em Junho deste ano, já aumentou 116%, saltando de 977 para 2.112 ciclistas. São 150 ciclistas por hora, em média.

Portanto quem ainda insiste que não há ciclistas nas ciclovias ou é desonesto intelectualmente ou não consegue enxergar outras formas de deslocamento que não impactam tanto visual e ruidosamente quanto carros.

A pesquisa de perfil dos ciclistas apontou outro dado interessante: de todos os entrevistados nas regiões central e intermediária, 40% disseram pedalar há menos de 1 ano. Ou seja, a migração de modos de transporte está acontecendo de maneira bastante intensa, especialmente na região central – onde há maior oferta tanto de transporte público quanto de ciclovias e ciclofaixas.

CONCLUSÃO

Planejar e pensar a mobilidade urbana e sua diversidade de matizes e culturas hoje requer um olhar mais local e especializado. O conhecimento histórico e acumulado sobre planejamento e engenharia rodoviaristas não podem ser estendidos para traduzir a cultura urbana da bicicleta, menos ainda para formular e executar políticas públicas para este meio de transporte.

Para rompermos com os mitos e falácias que ainda assombram os debates acerca da mobilidade por bicicletas será preciso um comprometimento maior de todos os atores e atrizes da sociedade – do poder público à imprensa e às universidades, dos movimentos sociais à iniciativa privada.

Será preciso, antes de mais nada, reconhecer que a forma de olhar e interagir com a cidade, a partir da visão limitada do rodoviarismo carrocêntrico, não atende à diversidade de usos e culturas de quem se desloca e/ou poderia se deslocar de bicicleta na cidade.