As ciclofaixas de lazer, 120 km de vias exclusivas para ciclistas somente aos domingos, representaram inegavelmente um ganho importante para a cidade desde sua inauguração, em 2009. Sobre isto escrevi um artigo em dezembro do ano passado.
Desde o início da implantação dos 400 km de ciclovias e ciclofaixas permanentes, em Junho de 2014, e agora com o novo programa de abertura de avenidas aos domingos, as ciclofaixas de lazer vivem uma espécie de crise de identidade e necessitam de um amplo processo participativo para avaliar o presente e repensar o futuro.
Evidentemente que há espaço para todas as iniciativas em São Paulo, especialmente as que dialogam imediatamente com uma cidade menos carrodependente – como é justamente o caso das ciclofaixas de lazer. Mas a própria premissa da garantia de segurança, da segregação física, do estímulo ao uso de bicicleta e da interligação com pontos importantes da cidade, princípios que nortearam o planejamento das ciclofaixas de lazer, estão naturalmente sendo questionados por uma cidade que busca novos espaços de convivência mais diversos e estruturas permanentes que cumpram a mesma função nos 7 dias da semana, 24h por dia.
Talvez a Avenida Paulista seja o caso mais evidente deste, vamos chamar assim, descompasso entre a organização das ciclofaixas de lazer e a expectativa da cidade.
Logo após a inauguração da ciclovia da Avenida Paulista, em Junho deste ano, a ciclofaixa de lazer aos domingos passou a ser instalada nas duas faixas de rolamento contíguas à ciclovia, no canteiro central. Foi uma ótima solução, pois isto garantiu duas faixas adicionais para a circulação de ciclistas, além da própria ciclovia. No entanto, a estrutura padrão de montagem das ciclofaixas de lazer não foi atualizada e repensada considerando que a partir daquele momento a avenida teria uma estrutura permanente e segura para ciclistas. Os monitores, que estavam acostumados à dinâmica antiga da via, continuaram subindo e descendo suas bandeiras de “pare”, mesmo com semáforos exclusivos implantados.
Uma ação que nitidamente deseduca, uma vez que a dinâmica da sinalização semafórica deve ser assimilada por quem pedala na cidade, sob o risco de passar por lá em qualquer outro dia, que não o domingo, e dar de cara com uma situação conflituosa por inconscientemente esperar que algum monitor ou alguma bandeirinha interpele seu caminho antes de se arremessar à frente dos carros em um cruzamento.
Em todos os locais onde há sobreposição de estruturas permanentes com ciclofaixas de lazer o modelo deve ser repensado. No eixo Vergueiro-Liberdade, por exemplo, os cones são instalados em cima dos tachões – que já estão instalados visando justamente a garantir a segregação da via exclusiva de ciclistas. Os cones, ali, são inócuos e representam um desperdício de um recurso que poderia ser melhor investido em outros serviços ou em novos trajetos.
Voltando à Avenida Paulista, desde o dia 18 deste mês a dinâmica aos domingos foi novamente alterada em decorrência do programa Ruas Abertas. A partir do desejo da população, a Prefeitura de São Paulo passou a abrir a avenida integralmente para todas as pessoas e seus eventuais veículos a propulsão humana. Isto fez com que a avenida, antes uma via com fluxos determinados e estruturas segregadas, se transformasse em um enorme calçadão de uso diverso e sem a ordenação destes fluxos e do tráfego inerente à lógica do motor e das relações desiguais de força e velocidade no trânsito. Um novo paradigma, portanto.
Desta forma, a estrutura de cones, monitores e bandeirinhas da ciclofaixa de lazer deixou de ser apenas uma medida inócua e passou a ser uma medida deseducadora. Em um espaço público onde a premissa induzida é a da convivência e do respeito, a segregação física causa estranhamento e reproduz uma lógica que diz mais sobre a nossa subserviência ao rodoviarismo do que de fato para minimizar conflitos e garantir conforto e segurança.
Com a Avenida Paulista aberta às pessoas, caem por terra estruturas físicas – e mentais – que só dizem respeito à lógica do carro: qual a mão da via? existe contramão? o semáforo dos carros está valendo? pedestres só nas calçadas? ciclistas só na ciclovia? travessia na faixa de pedestres ou em qualquer lugar?
Para a construção desta nova fase de (re) democratização das vias públicas, em São Paulo, será preciso nos despirmos das vestimentas rígidas dos cânones rodoviaristas. Menos regras de trânsito, bandeirinhas, cones e cavaletes e mais palhaços, bandinhas, crianças de patinete e rodinhas de conversa no meio da rua.
Em tempo, caso a organização da ciclofaixa de lazer entenda que a crítica construtiva proposta aqui faz algum sentido, gostaria de sugerir algumas ações interessantes que poderiam ser implementadas usando o mesmo recurso financeiro hoje investido na instalação de cones, monitores, bandeirinhas e cavaletes:
- Criar pontos de contação de história. São tantas famílias e crianças aproveitando a avenida aberta que seria fantástico ter ao menos quatro pontos de contação de histórias, no meio da rua.
- Incremento ao S.O.S Bike. Aumento de uso significa aumento natural de demanda pelo serviço de mecânica de bicicletas que já é realizado pelos operadores da ciclofaixa de lazer. Outra medida que poderia ser implementada é aumentar o contingente destes mecânicos.
- Apoio a artistas de rua. A empresa patrocinadora da ciclofaixa de lazer poderia promover um edital de chamamento para cadastrar e apoiar iniciativas de rua – música, teatro, circo, etc. Como é o caso dos ciclistas bonequeiros, por exemplo, que fazem um trabalho de rua lindíssimo levando arte, contação de história e promoção do uso de bicicleta.
- Mais ciclofaixas de lazer na periferia. São Paulo é uma cidade de grandes dimensões e há muitos bairros e regiões inteiras que nunca viram uma ciclofaixa sequer, seja de lazer ou permanente.
Deixem, nos comentários, mais ideias que poderiam ser implementadas na Avenida Paulista aberta.