A cidade de Taipei, capital de Taiwan, está localizada ao norte da ilha de Formosa e tem uma população estimada em 2,6 milhões de habitantes. Juntamente com Nova Taipei e Keelung, a cidade de Taipei é parte de uma conurbação metropolitana de quase 7 milhões de pessoas.
Contando com a prevalência de políticas rodoviaristas e uma rede de vias elevadas, túneis e grandes avenidas, a cidade Taipei hoje vive o paradigma de todas as metrópoles mundo afora: congestionamentos crescentes, poluição atmosférica alarmante, mortos e sequelados por um trânsito motorizado e violento e a desertificação dos espaços públicos.
Surpreende a quantidade de feridos em colisões e atropelamentos em toda Taiwan, número que praticamente dobrou desde 2008, induzido especialmente pelo aumento no uso de motocicletas, scooters e outros veículos motorizados sobre duas rodas.
A distribuição de viagens entre os modos de transporte, em Taipei, é de 28% de viagens realizadas em motocicletas (scooters), 15% em automóveis e 57% de modos coletivos ou ativos. Destes, 31% em ônibus, 25,3% a pé, 25,2 % no metrô e 9% em bicicletas. A meta, para 2020, é ampliar para 12% (no total) a participação da bicicleta na divisão modal da cidade.
Os altos índices de uso de motocicletas fazem do Taiwan o país com a mais alta taxa de motos por habitantes em toda a Ásia. São quase 650 motos para cada 1 mil habitantes! Enquanto o Vietnam possui uma taxa de 412 motos e a Tailândia, 304 motos para cada 1 mil habitantes.
As inúmeras políticas públicas voltadas à indução do uso massivo de motocicletas podem ser observadas por toda a cidade. A combinação entre conveniência, acessibilidade (financeira) e facilidade explicam o crescimento desenfreado de motos em Taiwan e em boa parte da Ásia. Em Taipei, para estacionar uma motocicleta basta acessar a calçada. O custo é zero.
O custo para circular de motocicleta é de $ 0,09 por km; enquanto que por carro o índice sobre para $ 0,38 por km. O uso misto do solo faz com que os deslocamentos médios fiquem entre 10 e 20 minutos. Todas estas características, combinadas, induzem diretamente os taiwaneses a migrarem de suas tradicionais bicicletas – ou mesmo do transporte público – para as poluidoras e barulhentas scooters.
Preocupada com os rumos desta anunciada tragédia da mobilidade urbana, a cidade de Taipei tem realizado esforços interessantes e notáveis para romper com esta tendência. E é sobre eles que este artigo pretende se debruçar com mais intensidade daqui em diante, uma vez que a problematização já está apresentada.
Respeito com as pessoas e com quem se desloca a pé
Taipei é uma cidade extremamente agradável para se deslocar a pé. Apesar da rede de centenas de quilômetros de minhocões, viadutos, túneis e grandes avenidas e da enxurrada de scooters, o design e a infraestrutura dedicada para quem caminha em Taipei são um ótimo exemplo para muitas cidades pelo mundo, especialmente para cidades brasileiras.
A largura das caçadas, o piso padronizado, os aclives sem degraus, o acabamento, o impecável sistema de drenagem, o rebaixamento de quase 180º nas esquinas, as faixas de travessia na diagonal, as faixas verdes onde não há calçada, as velocidades máximas controladas, as zonas 30 km/h, as vielas compartilhadas, enfim, basta caminhar pela cidade e perceber como o active design está presente em cada canto da cidade. Vejam alguns destes bons exemplos a seguir:
Velo-city em Taipei
Foi com base neste cenário da mobilidade urbana, e com o desejo de mudança, que a Prefeitura de Taipei e a Europeen Cyclists’ Federation (ECF) organizaram o maior encontro internacional de ciclomobilidade, o Velo-City, que terminou no último dia 01 de Março.
Com presença massiva de gestores públicos, autoridades e de ativistas de toda a Ásia, esta foi a terceira edição do Velo-city que aconteceu fora da Europa – a primeira foi em Vancouver, no Canadá e a segunda em Adelaide, na Austrália.
Como ação simbólica, e de enorme repercussão local, o Prefeito de Taipei resolveu pedalar mais de 500 quilômetros, de uma ponta a outra da ilha, em menos de 30 horas. E chegou à cidade já no segundo dia do evento, trazendo consigo a determinação de mudar a realidade para quem se desloca de bicicleta na capital taiwanesa a partir do seu exemplo pessoal. Uma iniciativa um tanto populista, é verdade, mas de forte impacto midiático e simbólico.
Sobre os debates, painéis e palestras que ocorreram nos dias do Velo-city, indico assistir os hangouts curtos que a comitiva brasileira fez, publicados pelo portal Bike é Legal. Seguem: Hangout 1, Hangout 2 e Hangout 3. Foram 4 dias de grande aprendizado, trocas de experiência e também de preparação para o Velo-city de 2018, que acontecerá no Rio de Janeiro. Isso mesmo: o Rio será sede, em 2018, do maior evento sobre bicicleta e mobilidade no mundo!
Bicicletas públicas e privadas em Taipei: do Youbike às calçadas compartilhadas
Por toda a cidade de Taipei se vê estações de bicicletas e bicicletas laranjas e amarelas circulando. Trata-se do sistema de bicicletas compartilhadas de Taipei, chamado You-bike.
Com mais de mil cidades pelo mundo já tendo implementado seus próprios sistemas de bicicletas compartilhadas, torna-se ingrata a tarefa de chamar a atenção para este ou aquele sistema. No entanto, pelos números a que temos acesso, o You-bike pode ser considerado um dos melhores sistemas do mundo.
Lançado experimentalmente em 2009, o You-bike foi inicialmente muito criticado pela imprensa e por setores conservadores da sociedade taiwanesa (nota aos leitores: viram que não é privilégio de São Paulo?). Com sua ampliação, gratuidade nos primeiros 30 minutos, integração plena com o metrô, sistema automatizado de fácil uso e funcionamento 24h, o You-bike rapidamente se tornou a política pública de mobilidade mais elogiada pela população, contando hoje com 94% de aprovação e 8,57 viagens realizadas diariamente por cada bicicleta do sistema.
São mais de 220 estações e 7.300 bicicletas à disposição da população. A meta é, até 2018, atingir 400 estações e reduzir a distância entre elas para apenas 350 metros – o que dá menos de 5 minutos de caminhada.
Durante a abertura do Velo-city, em Taipei, o CEO da Giant, Sr. King Liu – idealizador e patrocinador do You-bike – elencou as cinco principais táticas que fazem deste um sistema tão utilizado e querido pela população; táticas que poderiam ser utilizadas como diretrizes para implantação de qualquer sistema pelo mundo:
1. Bike sharing e a mobilidade urbana. Bicicletas compartilhadas devem, obrigatoriamente, fazer parte do sistema de mobilidade da cidade. Por isto, aconselhou o Sr. Liu, os órgãos de trânsito e de transportes devem coordenar ou estar diretamente envolvidos.
2. Parceria público-privada. Apesar de já existirem inúmeros casos de sistemas de bicicletas compartilhadas financiados diretamente com recursos de orçamento público, os altos custos de implementação e manutenção dos sistemas ainda aproximam as administrações públicas dos grandes financiadores e patrocinadores. Porém, segundo Sr. Liu, “o lucro não pode nunca ser uma prioridade. A empresa que apoiar um sistema de bike sharing visando ‘lucro’, terá uma desagradável surpresa e o sistema não funcionará”. Ou seja, mesmo que estes sistemas sejam financiados por grandes corporações da iniciativa privada é o interesse público que deve sempre ser norteador e ditar o planejamento e as funcionalidades.
3. Fácil de usar e acessível financeiramente. O sistema tem que ser fácil, ágil e imediato. Complicar a operação afasta atuais e potenciais usuários. Cobertura territorial, capilaridade, integração intermodal, integração tarifária, política tarifária acessível e informações físicas são alguns dos elementos fundamentais para que um sistema de bicicletas compartilhadas funcione plenamente.
4. Funcionamento 24/7. Não importa o dia e o horário, as you-bikes estão disponíveis para qualquer pessoa. O sistema, além de garantir acesso total 24/7, possui um call center também 24h, assistência 24h e 3 turnos diários de equipes para fazer manutenção nas bicicletas diretamente nas estações.
5. Serviço deve superar expectativas. Ainda segundo o Sr. Liu, é preciso que o sistema de bicicletas compartilhadas devolva, aos usuários, um senso de felicidade – aspecto que raramente é considerado por quem planeja e opera estes sistemas.
Para quem se desloca de You-bike ou de bicicleta particular, a cidade de Taipei ainda não oferece uma rede bem estruturada de infraestruturas exclusivas, confortáveis e seguras. No final do ano passado, inclusive, por pressão de alguns setores da sociedade, a Prefeitura removeu uma ciclofaixa que havia sido implantada em 2012 e que teria custado, à época, algo em torno de 5 milhões de dólares. Confira o vídeo:
Em Taipei impressiona a quantidade de ciclistas usando as calçadas em seus deslocamentos – o compartilhamento das calçadas ainda é muito presente em países e culturas orientais. Esta característica é também induzida por sinalização específica para este compartilhamento, o que aponta para uma realidade pouco convidativa para quem se desloca utilizando o viário e não as calçadas: condutores de veículos motorizados – scooters, automóveis e ônibus, principalmente – não estão acostumados com a presença de ciclistas no viário e o poder público, ao oficializar o compartilhamento das calçadas, reforça este ideia de que bicicletas não são bem-vindas nas ruas.
Mesmo em menor quantidade é possível observar ciclistas buscando o compartilhamento das ruas, uma vez que, com um pouco de apoio do poder público, a relação com os veículos motorizados poderia ser bem mais harmoniosa – sem ofuscar, contudo, a necessidade por infraestrutura segregada e que legitime a presença de bicicletas na via pública e não mais nas calçadas.
As medidas de controle das velocidades máximas, por exemplo, associadas às vielas internas de bairro que já se apresentam como ruas de compartilhamento pleno, criam um cenário naturalmente convidativo para o uso de bicicleta. As faixas de rolamento da direita, nas vias arteriais – principais avenidas, possuem velocidade máxima reduzida, o que indica uma preocupação com os mais frágeis no trânsito e que circulam em velocidades reduzidas.
Uma bicicleta no fim do túnel
O Velo-city de Taipei foi acompanhado de perto por técnicos e gestores da Secretaria de Transportes da Prefeitura, além do próprio Prefeito e da Secretária de Transportes. É notória e pública a vontade política em realizar transformações na mobilidade visando uma cidade menos desigual e com mais qualidade de vida.
Com altos investimentos no cicloturismo em todo o país – já há mais de uma década -, com o sucesso do You-bike e com o fracasso do modelo rodoviarista como solução para a mobilidade, as políticas para quem usa bicicleta e a sola do pé para se deslocar parecem ganhar uma nova dimensão na cidade de Taipei. E o Velo-city, por sua vez, impulsionou este entendimento para muito além das fronteiras da ilha de Formosa.
Para concluir, deixo este vídeo sobre a demolição de um dos minhocões que cortava a cidade. Derrubada esta que revelou uma dinâmica diferente naquele espaço e que resgatou, inclusive, a beleza de um dos patrimônios históricos da cidade.