Nesta terça-feira a Folha publicou o balanço do número de mortes no ano passado no trânsito paulistano. Foi a maior queda desde 1998. Na série histórica de medições da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), o número de mortes foi o menor desde 1979.
Os dados reforçam a importância de políticas públicas integradas e continuadas, que impactam direta e literalmente na vida da população. Na reportagem publicada, para apresentar tese contrária o urbanista Flamínio Fichmann credita a queda das mortes à crise econômica que vive o país. Em sua opinião, “com menos atividade econômica há menor mobilidade de pessoas e cargas. Isso diminui o potencial de acidentes”.
Tal argumentação talvez pudesse ganhar terreno se a queda de mortes fosse um evento isolado, temporal. No entanto, ao analisar o gráfico dos últimos 10 anos, observa-se que a tendência de queda vem se acentuando ano-a-ano desde, pelo menos, 2007 – ano em que o PIB brasileiro cresceu 5,4%.
Não é preciso ser especialista em estatística para constatar que o dado fundamental é justamente a análise histórica e os fatores – especialmente as políticas públicas – que corroboram para esta queda.
Sobre estes fatores que influenciaram a queda e também sobre os resultados do balanço divulgado pela CET, a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) e a Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo (Cidadeapé) soltaram agora à noite uma nota pública comentando a dimuição das mortes no trânsito em São Paulo.
Segue a nota, na íntegra:
Nota sobre diminuição das mortes no trânsito na capital
É com uma mistura de satisfação e melancolia que a Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo e a Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo recebem a notícia de que as mortes caíram 20,6% no último ano na cidade de São Paulo. Entendemos que as políticas públicas de acalmamento de tráfego são decisões acertadas, que já mostram sua efetividade na proteção de vidas – tais como Áreas 40, redução de velocidade nas avenidas, ampliação da rede cicloviária e intensificação na fiscalização de trânsito. Por outro lado, ainda é inaceitável a alta taxa de letalidade no trânsito na cidade, especialmente entre os elementos mais frágeis, os(as) pedestres e ciclistas.
Não aceitar nenhuma morte no trânsito deveria ser um objetivo central encalçado não apenas pela Prefeitura de São Paulo, mas por toda a sociedade. Como diz a agenda mundial ‘Visão Zero’, não podemos considerar inevitável nenhuma morte ou lesão corporal causada por atropelamentos, colisões e outras ocorrências no trânsito. Ainda que o número de pedestres morto(a)s tenha caído 24,5% no último ano, e o de ciclistas, 34% – sugerindo avanços na segurança viária – as 450 vidas ceifadas indicam que há muito a ser trabalhado em São Paulo.
O Código de Trânsito Brasileiro deixa claro no artigo 29 que “os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”. Isso significa que a segurança de quem se desloca com a energia do próprio corpo deve ser a prioridade número um no sistema de trânsito e circulação de pessoas e bens.
Com o intuito de fomentar um debate sério e contribuir para tais avanços, listamos três desafios básicos:
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A fragilidade institucional das políticas públicas
A Prefeitura de São Paulo é signatária da Década de Segurança Viária, agenda proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), que estabeleceu como meta a redução de 50% nas mortes decorrentes do trânsito até 2020. As medidas adotadas até o momento, em análise objetiva, visam ao cumprimento dessa meta. São, no entanto, notadamente insuficientes e frágeis, visto que dependem da manutenção de medidas administrativas que estão sujeitas a vontades políticas. Como bem sabemos, as políticas públicas de proteção à vida são alvo de ataques por setores específicos que não estão dispostos a abrir mão de privilégios históricos nem mesmo para salvar vidas.
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O déficit na fiscalização
Há setores na sociedade que parecem fechar os olhos para a violência extrema que se manifesta no nosso sistema viário e insistem em criticar as medidas de fiscalização das infrações de condutore(a)s de veículos. Nós, que temos por preocupação fundamental a segurança daqueles e daquelas mais frágeis no trânsito, defendemos que a fiscalização não somente seja intensificada, mas também que os governos municipais e estaduais unam forças no combate à impunidade de condutore(a)s inconsequentes, superando disputas partidárias. Pressupõe-se, afinal, que nenhum cidadão são e justo advogue pelo aumento da mortalidade no trânsito.
É importante lembrar que a maior parte das infrações de trânsito ainda passa incólume à fiscalização, especialmente aquelas que dizem respeito à preferência de pedestres nas travessias, à passagem preferencial de pedestres e ciclistas nas conversões e ao comportamento imprudente de alguns condutore(a)s em relação à Mobilidade Ativa. Por isso, defendemos que a CET não só continue com seu programa de fiscalização da velocidade dos veículos, mas também aumente a presença de agentes que possam autuar e coibir as infrações de trânsito que ponham em risco a vida de pedestres e ciclistas.
Outro ponto essencial é a ampliação das blitzes, de competência das polícias estaduais, que poderiam tanto coibir o uso de carros e motos após o consumo de álcool e outras substâncias, quanto poderiam tirar de circulação centenas de condutore(a)s que se encontram com suas carteiras de habilitação suspensas por excesso de autuações. Se intensificada a fiscalização, a Lei Seca (Lei 11.705/2008) seria ainda mais eficaz nas madrugadas, período de maior letalidade das ocorrências no trânsito paulistano.
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O (anti) debate que dificulta os avanços
Por fim, repudiamos a irresponsabilidade de algumas opiniões supostamente “técnicas” e posturas assumidas por alguns veículos de comunicação que, por razões puramente político-ideológicas não declaradas, atribuem a redução de mortes no trânsito na cidade de São Paulo exclusivamente à crise econômica, em uma tentativa de desacreditar e deslegitimar as medida de acalmamento do trânsito, principalmente as ações de fiscalização e de redução de velocidade.
Enquanto ações de proteção à vida já mundialmente referendadas forem totalmente desqualificadas, mais difícil será evoluir o debate sobre medidas e políticas públicas adequadas para extinguir a carnificina que ainda macula, cotidianamente, o trânsito paulistano.