A bicicleta em 2015: melhores e piores

Por Daniel Guth

2015 foi, digamos, um ano bastante polêmico para a mobilidade urbana no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, acompanhamos com satisfação a implantação de novos limites de velocidades nas vias arteriais, com resultados já impactantes para a segurança de todos no trânsito. Além da queda nas velocidades altas, também vimos a queda nas vendas e produção de carros no Brasil, que recuaram 25% e 22%, respectivamente, com relação a 2014.

Por outro lado, em Sorocaba, vimos o motorista Fabio Hattori ser condenado a cumprir medidas socioeducativas e ficar com a CNH suspensa por apenas cinco meses, depois de atropelar e matar seis jovens à beira da Rodovia Raposo Tavares. Fabio estava embriagado ao volante.

Sejam fatos positivos ou negativos, a questão é que a mobilidade urbana finalmente assumiu um papel de maior protagonismo no dia-a-dia da sociedade, do poder público e da iniciativa privada. Isto se deve, principalmente, às manifestações de Junho de 2013, que tiveram início em profundos debates sobre o sistema de transporte público nas cidades brasileiras. Mas também destaco a Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12), que obrigou a criação de planos de mobilidade para todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, com prazo final até abril de 2015.

Para celebrar, portanto, a chegada de 2016, aqui listamos os melhores e os piores da mobilidade por bicicleta (ciclomobilidade) neste ano que está chegando ao fim.

 

10 notícias ótimas para a ciclomobilidade em 2015

 

1. A mobilidade como um direito social constitucional

Em Setembro deste ano o Congresso Nacional promulgou a PEC 90/15, de autoria da Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que incluiu o transporte como um direito social garantido pela Constituição Federal. Uma iniciativa de fundamental importância para a mobilidade urbana nas cidades, especialmente para a melhora na oferta e no acesso ao transporte público.

Deputada Luíza Erundina participa de Seminário, em Brasília (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)
Deputada Luíza Erundina participa de Seminário, em Brasília (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

 

2. Ciclovia da Avenida Paulista e Paulista Aberta

A conquista da ciclovia da Avenida Paulista, uma demanda de mais de uma década e inaugurada em Junho deste ano, foi um acontecimento de repercussão nacional. Não apenas pela importância da intervenção em si, para a mobilidade urbana, mas também pela simbologia que esta obra carrega. Quatro meses após a inauguração da ciclovia da Av. Paulista a Prefeitura de São Paulo agregou mais um importante capítulo para a humanização das vias públicas da cidade, lançando o programa Ruas Abertas aos domingos. A própria Av. Paulista, até como reconhecimento à sua vocação histórica, foi a estreia da primeira Rua Aberta, que seguirá por ruas e avenidas nas 32 subprefeituras da cidade.

Avenida Paulista em dia de Paulista Aberta (Foto: Rachel Schein/ Página da Rachel)
Avenida Paulista em dia de Paulista Aberta (Foto: Rachel Schein/ Página da Rachel)

 

3. Implantação da Área Calma, em Curitiba

Um perímetro central composto por 140 quadras e com velocidade máxima reduzida para 40km/h. Além da padronização de velocidades máximas mais adequadas, o projeto prevê medidas de acalmamento de tráfego, estrutura cicloviária e intervenções para garantir plena acessibilidade.

Área Calma implantada em Curitiba (Foto: Goura Nataraj)
Área Calma implantada em Curitiba (Foto: Goura Nataraj)

 

4. Fórum Nordestino da Bicicleta, no Recife

Este ano também foi marcado pela realização do primeiro FNEbici, o Fórum Nordestino da Bicicleta. Com a participação de dezenas de cidades nordestinas, o Fórum problematizou os desafios mais contemporâneos da ciclomobilidade.

Assembleia final do Fórum  Nordestino da Bicicleta (Foto: Ameciclo)
Assembleia final do Fórum Nordestino da Bicicleta (Foto: Ameciclo)

 

5. A nova Cidade da Bicicleta, em Porto Alegre

Em Junho de 2013 os ciclistas de Porto Alegre foram obrigados a entregar o imóvel no bairro Menino Deus, local onde se concentrava uma série de atividades ligadas à bicicleta. Dentre elas, a oficina comunitária, que era mantida de maneira autônoma e cooperativa. Este ano, visando a recuperar este espaço tão importante para a cultura urbana da bicicleta, a Associação Mobicidade criou um projeto de financiamento colaborativo para a aquisição de um contêiner e futura instalação da nova Cidade da Bicicleta, desta vez embaixo do Viaduto dos Açorianos. O projeto foi integralmente financiado, em Setembro, e já está em fase de implantação.

Ofinica comunitária no antigo endereço (Foto: divulgação)
Ofinica comunitária no antigo endereço (Foto: divulgação)

 

6. A luta pelo projeto cicloviário de Águas Claras

O Distrito Federal não é apenas vias expressas, altas velocidades e mega estacionamentos. Há vida para muito além do marcante desenvolvimentismo rodoviarista de Brasília. Um exemplo disto é a movimentação popular que ocorreu este ano às voltas do projeto cicloviário da região administrativa de Águas Claras. Um projeto de intervenção completa que compreende a implantação de zona 30km/h, redução de velocidades, ciclofaixas e calçadas compartilhadas, com potencial para ser o primeiro bairro do Distrito Federal com vias totalmente humanizadas.

Projeto de intervenção em Águas Claras (ilustração: divulgação)
Projeto de intervenção em Águas Claras (ilustração: divulgação)

 

7. Integração da bicicleta com o metrô, no Recife

Desde Novembro os ciclistas do Grande Recife contam com uma importante novidade: a permissão de embarque com as bicicletas no metrô, todos os dias, a partir das 20h. Aos finais de semana (sábado, a partir das 14h e domingo o dia todo) a entrada das bicicletas já era permitida. A novidade deverá ajudar muitos ciclistas, especialmente os iniciantes.

Ciclistas testam integração da bicleta com metrô (Foto: Everton Irineu/RBC)
Ciclistas testam integração da bicleta com metrô (Foto: Everton Irineu/RBC)

 

8. Ciclofaixa da Maré, no Rio de Janeiro

A ciclofaixa da maré é a primeira estrutura cicloviária carioca feita em área de alta vulnerabilidade, dentro de uma favela. Com 22 quilômetros de extensão, a estrutura foi pintada de azul para simbolizar a harmonia, contrariando indicação do DENATRAN, porém atendendo a um pedido dos moradores do complexo.

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9. Em Manaus, a bicicleta como transporte levada cada vez mais a sério

O anode 2015 foi decisivo para que a mobilidade por bicicleta fosse levada mais a sério na capital amazonense. Tanto a grande imprensa quanto o poder público acordaram para o tema e agora estão se mobilizando mais e ouvindo as organizações de ciclistas da cidade. Resta saber o que sairá do papel no último ano de gestão municipal.

Manifestação na Avenida Djalma Batista (Foto: Pedala Manaus)
Manifestação na Avenida Djalma Batista (Foto: Pedala Manaus)

 

10. Ciclofaixas em Fortaleza e o Plano Diretor Cicloviário Integrado

Em 2015 a Prefeitura de Fortaleza ampliou consideravelmente a malha cicloviária da cidade, implementando 38,3 km somente este ano e chegando à zona oeste da cidade Com ciclofaixas e ciclovias amplas, a cidade já conta com 137,4 km de estrutura cicloviária permanente e o plano, para até agosto de 2016, é chegar a 216 quilômetros.

Ciclofaixa implementada em Fortaleza (Foto: Ciclovida)
Ciclofaixa implementada em Fortaleza (Foto: Ciclovida)

 

10 notícias medíocres para a ciclomobilidade em 2015

 

1. Ministério Público contra as ciclovias e a partidarização da bicicleta em São Paulo

Em Março deste ano o Ministério Público do Estado de São Paulo, através da promotora Camila Mansour, realizou uma grande ofensiva contra a implantação do sistema cicloviário de São Paulo. Além do absurdo da ofensiva em si e da argumentação que a embasou, o esdrúxulo pedido de paralisação das obras incluía, ainda, a devolução do espaço conquistado como ciclovias para o seu estado anterior, como faixas tradicionais de rolamento. O caso, que em muito se assemelhou às loucuras do ex prefeito da cidade canadense de Toronto, Rob Ford, ganhou proporções internacionais, com uma mobilização que atingiu dezenas de cidades brasileiras e outras pelo mundo. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por fim, derrubou a liminar que colocava em risco todos os esforços históricos pela implantação das ciclovias de São Paulo e permitiu, desta forma, a continuidade do programa.

Juntamente com tantos outros episódios que já pulularam através do obscurantismo de uma certa elite conservadora paulistana, a ofensiva do MPE-SP contra as ciclovias faz coro a uma tendência extremamente perniciosa de partidarização da bicicleta na cidade, que deve ser rechaçada desde a raiz por não encontrar eco conceitual, histórico, tampouco político-ideológico.

Promotora Camila Mansour discute com ciclistas em coletiva de imprensa (Foto: Rachel Schein)
Promotora Camila Mansour discute com ciclistas em coletiva de imprensa (Foto: Rachel Schein)

 

2. Dilma se recusa a dialogar sobre compromissos assumidos durante campanha

Durante o processo eleitoral de 2014, alguns dos principais candidatos à presidência da República assumiram alguns compromissos com a mobilidade por bicicletas – processo capitaneado pela UCB – União de Ciclistas do Brasil.

A Presidente Dilma Rousseff, como candidata à reeleição, incorporou uma parte dos compromissos indicados pela UCB, entregando uma carta chamada Mais mobilidade nas cidades com o transporte não motorizado, contendo tópicos e ações fundamentais que realizaria durante o seu segundo mandato, caso de reelegesse.

Enfim eleita para cumprir seu segundo mandato, a Presidente e sua equipe de governo, até o momento, não se debruçaram sobre a carta e os compromissos assumidos durante período eleitoral e tem se recusado, reiteradamente, a receber comitiva da União de Ciclistas do Brasil para debater tais compromissos e como colocá-los em prática.

Estamos entrando no segundo ano do segundo mandato da Presidente Dilma. Vamos acordar para a questão, Palácio do Planalto?

Foto: Rafael Neddermeyer/ FCA
Foto: Rafael Neddermeyer/ FCA

 

3. A reversão na tendência de queda nas mortes de ciclistas no Distrito Federal

Desde 2005 o Distrito Federal vem reduzindo as mortes de ciclistas no trânsito. Até este ano, infelizmente. Em 2014 o índice foi o mais baixo na história do DF, com 22 mortes; no entanto o índice de 2015 elevará as mortes de ciclistas de volta para a casa dos 30. Uma mudança importante, impactante, e que necessita de uma investigação mais profunda para compreender os motivos deste aumento tão significativo. Necessitará, concomitante com a investigação, de um plano de ação urgente por parte do Governo do Distrito Federal.

mortes envolvendo ciclistas no DF

 

4. Ricardo Neis, atropelador em massa da bicicletada de Porto Alegre, continua sem julgamento

Quase cinco anos depois do strike contra ciclistas durante a Massa Crítica de 2011, em Porto Alegre, o julgamento do atropelador Ricardo Neis segue indefinido. A estratégia de defesa do reu é justamente a de protelar ao máximo o julgamento do caso, uma vez que o reu irá a júri popular e “a defesa não deseja que eles (júri popular) se lembrem do caso”, como bem pontuou a promotora do caso Lucia Helena Callegari em entrevista ao site Vá de Bike.

 

5. Fábio Reis, o deputado que atentou contra os ciclistas

Há um abismo que afasta e distancia a sociedade do Congresso Nacional e isto não é novidade nenhuma – vide Eduardo Cunha ainda na presidência da Câmara dos Deputados. O ano de 2015, em matéria legislativa, para a mobilidade urbana, foi um ano aparentemente esquizofrênico.

De um lado a mobilidade ganhou status de direito social constitucional com a PEC 90/15; de outro, projetos de lei retrógrados foram apresentados e tramitaram com perigosa rapidez. É o caso do PL 2180/15, de autoria do Deputado sergipano Fábio Reis (PMDB), que visa a punição de ciclistas que estejam circulando “fora de ciclovias e ciclofaixas”.

Felizmente, por conta da repercussão extremamente negativa e mobilização nas redes sociais, fui ao encontro do Deputado na ante-sala do Plenário, na Câmara dos Deputados, e tive o compromisso pessoal de que o PL seria totalmente alterado, se não arquivado. Uma atitude honrosa de um parlamentar que, aparentemente, ou se enganou com a proposta ou foi ludibriado por assessores e/ou grupos que desejam ver o uso de bicicleta ser reduzido no país.

Deputado Fábio Reis recebe carta pública da União de Ciclistas do Brasil (Foto: Daniel Guth)
Deputado Fábio Reis recebe carta pública da União de Ciclistas do Brasil (Foto: Daniel Guth)

 

6. Cartilha do ciclistas, lançada pelo Ministério das Cidades, não teve participação da sociedade em sua elaboração

Lançada no Dia Mundial Sem Carro como uma das principais ações do Ministério das Cidades para a ciclomobilidade, em 2015, a cartilha do ciclista é uma iniciativa que gerou polêmica desde seu lançamento. Primeiro pelo conteúdo apresentado, cujo foco está centrado na educação e comportamento dos ciclistas, enquanto veículos motorizados e seus condutores matam mais de 40 mil pessoas/ano no Brasil. Também porque o seu conteúdo, que poderia ser mais aprofundado e com alguns conceitos revistos, não teve a participação de nenhuma entidade de ciclistas ou de especialistas em ciclomobilidade.

Lançamento da Cartilha do Ciclista com o ministro Gilberto Kassab (centro). (Foto: Ministério das Cidades)
Lançamento da Cartilha do Ciclista com o ministro Gilberto Kassab (centro). (Foto: Ministério das Cidades)

 

 

7. Corredores de ônibus, em São Paulo, estão saindo sem ciclovias

Uma das principais promessas da gestão Haddad, ratificada desde as eleições de 2012, é a construção de estrutura cicloviária associada aos eixos dos novos de corredores de ônibus. Representariam, segundo cálculos da administração, um acréscimo de 150 km de ciclovias à malha cicloviária em implantação na cidade, que deverá atingir 463 km até final de 2016.

Infelizmente muitos corredores sequer sairão do papel até o final desta gestão. E, mesmo aqueles que estão sendo implementados, o que se destaca é a ausência de infraestrutura cicloviária, como é o caso dos corredores da Avenida Santo Amaro, M’ Boi Mirim e outros. A Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, através da empresa pública SPObras, por sua vez, diz que os projetos das ciclovias serão contemplados. Cobremos e acompanhemos bem de perto estas implantações.

Ciclista na Av. Inajar de Souza, onde havia promessa de ciclovia
Ciclista na Av. Inajar de Souza, onde havia promessa de ciclovia (Foto: Roberson Miguel)

 

8. Plano Diretor Cicloviário não sai do papel nem com recurso em caixa

Segundo o Plano Diretor Cicloviário (PDC) do Grande Recife, para o ano de 2015 estavam previstos 70 km de novas estruturas cicloviárias, mas até o momento nada foi executado. Durante o Fórum Nordestino da Bicicleta, que aconteceu em Recife durante o mês de Outubro, a ausência da Prefeitura e do Governo do Estado foram sentidos como um sinal de desprezo e falta de prioridade nas políticas da cidade.

Com 13% de viagens diárias já realizadas em bicicletas, a implantação de estrutura cicloviária na região metropolitana do Recife é uma medida urgente e necessária para garantir segurança, conforto e praticidade para quem já se desloca sobre duas rodas e também para aqueles que passarão a se deslocar, estimulados por estas novas estruturas.

2016, ano eleitoral, qual a ladainha eleitoreira que será utilizada para justificar o não cumprimento de metas tão claras e importantes?

Audiência Pública debate a implantação do PDC. (Foto: Ameciclo)
Audiência Pública debate a implantação do PDC. (Foto: Ameciclo)

 

9. Machismo pela bicicleta

O rico universo de quem usa bicicleta nas cidades é composto por pessoas de distintas matizes ideológicas, sociais, culturais e de gênero. Como um grande movimento social que é coeso em sua macro-proposta de promover o uso de bicicleta, destacam-se também os aspectos que nos enojam e envergonham exatamente como movimento, como coletivo.

Manifestações e atitudes machistas são exemplos disto. Não à toa, participantes da Massa Crítica de Belo Horizonte resolveram, em fevereiro deste ano, criar a Massa Crítica Feminista de Belo Horizonte, para chamar atenção para o machismo presente nos grupos de ciclistas e também para consolidar uma oportunidade para que mulheres cisgênero e trans, pessoas não-binárias, negras, gordas, lésbicas e bissexuais, pudessem pedalar livremente sem sofrer algum tipo de agressão ou violência.

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10. Complexo viário, em Fortaleza, terá 9 viadutos e 4 túneis

Apesar de ter um plano cicloviário em franca expansão e novos corredores de ônibus pensados para a cidade, obras odoviaristas ainda estão muito presentes no planejamento de Fortaleza.

Uma das obras símbolo desta equivocada visão de que obras viárias representam solução a problemas de mobilidade e trânsito é a construção – já para início de 2016 – do primeiro anel viário expresso, contando com 9 viadutos e 4 túneis.

Com custo estimado em R$ 215 milhões, o anel expresso está aprovado e aguarda apenas a liberação do financiamento no BNDES.

Foto: Fabio Lima/ ME/ Portal da Copa
Foto: Fabio Lima/ ME/ Portal da Copa