A Bicicleta na CidadeA Bicicleta na Cidade http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br Wed, 08 Jun 2016 22:18:22 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Todas as vias devem estar preparadas para bicicletas, diz coordenadora da CET http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/06/08/entrevista-suzana-nogueira/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/06/08/entrevista-suzana-nogueira/#respond Wed, 08 Jun 2016 17:43:40 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2016/06/FullSizeRender-13-180x102.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=533 Em entrevista exclusiva ao blog, a coordenadora do Departamento Cicloviário da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), Suzana Nogueira, faz um balanço sobre o sistema cicloviário de São Paulo e sobre o processo de implantação de ciclovias e ciclofaixas em toda a cidade.

Arquiteta e urbanista de formação, Suzana Nogueira entrou na CET em 2013, a convite do Prefeito Fernando Haddad e do Secretário de Transportes Jilmar Tatto, com uma missão nada simples: tirar do papel 400 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas até o final de 2016.

Depois de ter passado por diversas Prefeituras e órgãos públicos, ela sentiu que estava preparada para o desafio. E o encarou de frente. “Uma mulher atuando na área de transportes, e com foco em bicicletas, é um duplo desafio. Primeiro porque você tem que provar a competência e que entende do assunto; segundo porque a bicicleta é um meio de transporte que todos já falaram sobre, mas que nunca havia sido pensada na ótica da mobilidade urbana”, revelou logo no início da entrevista.

Depois de praticamente três anos e meio de gestão, e mais de 300 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas já implantadas, a entrevista foi feita durante o Bicicultura – maior evento nacional sobre ciclomobilidade, que aconteceu há duas semanas em São Paulo – e se configura como o primeiro balanço da gestão cicloviária da cidade de São Paulo feito por alguém da própria CET.

 

Como tem sido o processo de implantação do sistema cicloviário?

A gente que estabeleceu uma meta, lá no início da gestão, de implantar 400 quilômetros de infraestrutura cicloviária, não tinha a dimensão do que isso significaria para a cidade e a importância dos movimentos sociais neste processo. Hoje é bastante evidente os resultados, o número de ciclistas tem aumentado muito.

 

O que falta?

Além da infraestrutura cicloviária, falta a ampliar a compreensão, entre as pessoas, do que significa a inserção da bicicleta como política pública. ‘O que a Prefeitura tem que fazer, incentivar?’ Costumo responder que as pessoas têm que nos pressionar, nos dizer o que mais é preciso incentivar. Pois entendo que a sociedade civil tem muito mais força. Sabemos que os movimentos em defesa do uso de bicicleta representam o maior estímulo que temos dentro da cidade. Pois hoje já temos várias iniciativas como debates públicos, passeios com bicicleta, inúmeras atividades que o poder público nunca teria a capacidade de alcançar.

 

A sociedade civil organizada, pautando, pressionando, se não tiver um mínimo de sensibilidade e vontade política por parte da administração pública nós sabemos que a agenda acaba não ecoando, não avança, como temos visto em muitas cidades Brasil afora. A sociedade muitas vezes chega no limite do estresse para fazer as coisas acontecerem, para fazer a pauta avançar. Pergunto, então: nestes mais de três anos de gestão, o que mudou internamente na administração? Como a bicicleta é vista dentro do funcionalismo?

Posso responder no ãmbito da Secretaria de Transportes. No início a bicicleta como agenda pública era uma proposta do Prefeito incorporada no plano de metas e que ninguém sabia como se daria o processo de implantação. A bicicleta ainda era vista, até aquele momento, como um brinquedo, como lazer. Para que ela fosse entendida como um veículo, como parte da mobilidade, foi um exercício muito difícil. O primeiro ano da gestão foi muito complicado para a gente saber como e o quê nós tínhamos de alcançar, para quem estávamos trabalhando, como se colocar no lugar dos ciclistas, então entendo que hoje a CET avançou muito, tanto nas áreas de planejamento, projetos e operação.

A riqueza do processo tem sido ter o envolvimento de todas as áreas da CET. Literalmente todos colocam a mão na massa, e a gente fez questão, nestes três anos, de envolver todas as áreas da CET. A SPTrans, por exemplo, uma empresa que só pensava nos ônibus, é interessante observar que em alguns aspectos eles foram até mais rápidos do que a própria CET. Com a política de instalação de paraciclos, eles foram os primeiros, a questão de pensar a bicicleta e as ciclovias dentro das estruturas do transporte coletivo, dos projetos de corredores de ônibus. Todos os projetos desses corredores, desde o início da gestão, já sairam com projetos de ciclovias. Então acho que isto é um verdadeiro avanço. Enfim, fico muito orgulhosa de ver uma instituição que era bastante fechada apenas na questão do ônibus e que passou a entender que esta integração é uma política bastante saudável para as duas partes na cidade.

 

Internamente a bicicleta ganhou muita força, pelo que você está contando. Você sente que esta é uma questão direta da pressão e acúmulo dos movimentos e dos ativistas ou você sente que também houve muito estímulo por parte do Prefeito e dos Secretários?

Acho que é uma junção das duas coisas. Três, na verdade. Primeiro reconhecer a questão do Secretário [Jilmar Tatto] ter trabalhado estas políticas como prioridade, de ter agendas semanais para acompanhar o processo de implantação do sistema cicloviário; depois a criação do CMTT [Conselho Municipal de Trânsito e Transportes] e a Câmara Temática de Bicicleta, cujo fortalecimento institucional ajudou muito no processo e, por último, as trocas que temos com a sociedade civil, especialmente nos espaços setoriais, pois colocamos, desta forma, quem elabora os projetos junto com quem pedala, pois estes nem sempre têm a mesma visão.

Os técnicos passaram a entender que o melhor trajeto, por exemplo, é aquele validado pelos ciclistas que pedalam naquela região. Mas este já é um entendimento do final do processo, pois no início da gestão isto não seria possível pela falta de compreensão de todos. Então acho que o desejo do Prefeito, a força que o Secretário deu dentro da CET e SPTrans, sem impor nada, e o movimento social dos ciclistas, foram fundamentais para o processo [de implantação da rede cicloviária].

 

Pensando que a gestão vai chegando ao fim, caso o Prefeito Fernando Haddad não seja reeleito, você sente que pode haver retrocesso nestas políticas? E qual é o calcanhar de aquiles de todo sistema cicloviário de São Paulo?

Entendo que o processo de discutir a importância das ciclovias já está superado. Sobre resistências, acredito que possa haver um movimento forte nas ciclofaixas implantadas em vias coletoras, por conta do desejo de estacionar o carro. Esta é uma questão ainda não totalmente superada, pois representa “a perda do meu espaço”, mesmo sem que a pessoa tenha este direito. Em termos de ocupação, se os ciclistas usam, não há justificativa para retirar, para retrocessos. Sabemos que as estruturas ainda não atingiram sua potencialidade plena, mas há muitas maneiras de desestimular o uso de bicicletas, infelizmente. A própria CET já publicou notas técnicas em que ela mesma desestimulava as pessoas a pedalarem na cidade. Então, por mais maluco que seja a CET ir contra o próprio Código de Trânsito Brasileiro, nestes casos, há ideias que induzem você a pensar que há alguma coisa errada. Os resultados são todos os positivos, mais ainda há alguns efeitos, que chamaria de ‘midiáticos’, e que podem denegrir, um pouco, a imagem do projeto de implantação dos 400 km de ciclovias e ciclofaixas.

 

Mesmo com efeitos contrários, midiáticos, onde há ainda, no seu entendimento, arestas e pontos para resolver?

Há uma fragilidade histórica, em SP e no Brasil como um todo, de não acreditar nos planos. O não cumprimento de um plano diretor ou de um plano de mobilidade acaba não tendo implicações dentro da gestão política. Eu entendo que o plano de mobilidade de SP é extremamente frágil e que a vontade de implementá-lo ainda não está amarrada institucionalmente.

E tem outro que é, talvez, o maior problema para se resolver que é a questão orçamentária, porque mais da metade da verba para implantar o projeto [dos 400 km] veio de fundos, especialmente do Fundo Especial do Meio Ambiente (FEMA). Então não ter uma dotação orçamentária própria, não ter recursos específicos, é uma fragilidade para pensarmos num programa de continuidade. E este poderá ser um ponto a ser questionado, uma nova gestão poderá alegar que ‘não há recursos para continuar com a implantação e manutenção de infraestrutura cicloviária’.

 

Mesmo com a garantia, no FUNDURB (Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano), de aplicação de 30% dos recursos para o sistema cicloviário, de mobilidade a pé e transporte coletivo?

Isto não garante. Tanto é que são pouquíssimas subprefeituras, nesta gestão, que investiram recursos para construção de infraestrutura cicloviária. Tenho conhecimento de somente três [subprefeituras] que investiram de verdade [em estrutura cicloviária]. Mas três, de trinta e duas subprefeituras, é muito pouco. Algumas subprefeituras, inclusive, se recusaram a implantar infraestrutura para ciclistas. Ou seja, tem recursos, mas que não estão carimbados. Então os gestores utilizam pelo que eles acham que deve ser, pela visão pessoal. Então nesta parte orçamentária ainda faltam algumas amarrações institucionais.

 

Como fazer estas amarrações? Dá tempo ainda este ano?

Eu entendo, mais como Suzana, e menos como CET, que um elemento fundamental no início do processo de discussão sobre a bicicleta na cidade foi a composição do grupo pró-ciclista. Não ter o pró-ciclista faz com que se perca forças, sinergias, que permitam articular internamente, com outros órgãos, para qualificar as implantações.

 

E o CMTT (Conselho Municipal de Trânsito e Transportes) não cumpre este papel?

Não. O CMTT está focado em segmentos de transporte. E a Câmara Temática da Bicicleta se constitui de representantes de entidades de ciclistas.

 

Mas o CMTT tem representantes da administração pública, de diversas Secretaria. Ele é um conselho tripartite: usuários, operadores e poder público.

Sim. Mas ele não tem a mesma composição que teria o pró-ciclista, que é fundamental para o processo.

 

Então, no seu entendimento, falta um espaço institucional, intersecretarial, para discutir os projetos no âmbito da administração pública, sem a participação da sociedade civil?

Sim. Esta é uma crença minha, como Suzana.

Suzana Nogueira (Foto: arquivo pessoal)
Suzana Nogueira (Foto: arquivo pessoal)

Quando falam ‘ciclovia é importante, mas faltou planejamento”, o que você responde?

Minha resposta depende de saber para quem estou respondendo. Para leigos da área, eu primeiro explico o que é planejamento, que existe uma concepção, que o planejamento deve ser feito para a cidade toda, que a execução se dá em partes, que a estratégia de implantação não precisa estar vinculada ao planejamento. Muitas vezes quem diz ‘faltou planejamento’, não entende que são etapas diferentes, que o planejamento é uma etapa anterior, maior, e que a implantação é menor. Daí costumo explicar o processo conceitual sobre o que é o planejamento.

 

Mas se as pessoas não sabem o que é planejamento, quando elas dizem isto em que elas estão pensando?

Muitas pessoas entendem que ter planejamento é ter um projeto. Outras acham que planejamento é ter uma rede implementada na cidade toda da noite para o dia. Algumas pessoas entendem que ter planejamento é implantar no local em que elas acham mais importante. ‘Como assim vocês não começaram implantando no local que eu entendia que era o mais importante?’

 

Tipo “faltou o MEU planejamento’?

Pois é. E muitas vezes algumas pessoas acham que uma rua de importante conexão, que liga um parque, um centro cultural, a uma estação de metrô, não seria a rua ideal. Então muitas vezes falta compreender este outro olhar, do todo, da cidade, em que a definição da linha mais reta, do desejo, é pensada para os ciclistas e não para os demais. No final eu ainda questiono: ‘então o que você faria? Qual seria a solução para este trajeto específico?”, e percebo que as alternativas que as pessoas oferecem normalmente são muito piores para os ciclistas. Porque acham que os ciclistas ficarão melhores e mais seguros, segundo o planejamento pessoal delas, em vias secundárias, escuras, onde praticamente não passam pessoas. Daí eu costumo retrucar ‘sabia que os ciclistas têm os mesmos desejos dos motoristas, das pessoas que estão no ônibus, a pé? Porque o desejo é o mesmo’.

Mas, olha, muitas associações que não tem nada a ver com ciclistas e que bateram e criticaram muito no começo do processo, hoje elas não só entenderam tudo, como defendem as ações e chegam até a propor soluções com a ótica dos ciclistas, pois elas se permitiram pensar de uma outra forma.

 

Algum exemplo?

Eu citaria como o exemplo mais significativo a SAJAPE (Associação dos Moradores dos Jardins Petrópolis e dos Estados), em Santo Amaro, que todo mundo comentava que é uma associação muito crítica, o que é muito bom para qualquer processo, aliás. Mas eles foram extremamente propositivos, durante todo o tempo. Críticas propositivas são importantes para fazerem os processos avançar, aliás. Então este caso mostra que se a pessoa se permite pensar, reflitir, discutir, de fato a gente pode consolidar importantes avanços.

 

Uma parte da imprensa e da sociedade paulistana insiste em dizer que há uma certa apatia do “cicloativismo” paulistano, uma chapa-branquice. O governo é pouco cobrado e pressionado pelos movimentos? Ciclistas estão aceitando “qualquer coisa”?

Não. A gente é muito cobrado. Entendo como processos positivos. As cobranças são importantes, legítimas, quando vêm dos ciclistas. Normalmente demandas de locais em que eles têm interesse, demandas importantes para a cidade toda. Demandas de sinalização que não estão feitas, cruzamentos que não foram bem solucionados e isto é muito bom para o processo como um todo. O papel da CET é só da CET, o papel das associações é só das associações, mas quando elas têm o mesmo entendimento, dialogam e cumprem os combinados, a pauta avança. Não adianta dialogar, escutar e não executar, não cumprir os combinados. Daí os ciclistas vão bater. E com razão. (risos)

 

Ministério Público e Tribunal de Contas… pedras no sapato?

O Ministério Público começou questionando o mérito das implantações. Mas hoje entendo que isto está, de certa forma, superado. Até porque existe a função do Ministério Público e acho correto o trabalho que eles estão fazendo, desde que não se julgue o mérito. Já o Tribunal de Contas, a minha crítica maior é com relação ao mérito mesmo. Muitas vezes eles não fazem questionamentos sobre contas ou sobre o erário público. Como eles não têm especialistas com formação em mobilidade, muitas vezes o TCM faz questionamentos que acabam perdendo a importância, como questionar a quantidade de ciclistas nas estruturas. Se tiver dez, cem ou mil ciclistas, não importa, o nosso papel é executar. Até porque a primeira coisa que nós fazemos é cumprir a lei. A política nacional de mobilidade urbana diz que nós temos que fazer, então discutir se com dez ciclistas eu faria, com cem não, com mil faria, qual a lógica? Nós entendemos que todas as vias devem estar preparadas.

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São Paulo sediará maior encontro nacional sobre bicicletas http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/05/18/bicicultura-2016/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/05/18/bicicultura-2016/#respond Wed, 18 May 2016 12:30:29 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2016/05/2016_05_16_2016_03_30_Captura-de-Tela-2016-03-30-às-15.04.13-180x91.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=517 A cidade será palco do maior festival nacional sobre bicicleta e ciclomobilidade, o Bicicultura, que acontecerá entre os dias 26 e 29 de Maio, na Praça das Artes, Galeria Olido e no entorno do Teatro Municipal, no centro de São Paulo.

Serão quatro dias de programação intensa de palestras, painéis com especialistas, mesas redondas e oficinas, além de atividades ao ar livre como visitas técnicas pelas ciclovias paulistanas, torneios de bike polo, BMX Flatland e de rua, exposição de fotografias, Mostra competitiva de filmes e muito mais. A programação completa já está no site do evento e é sugerido fazer inscrição prévia para não perder vaga nas atividades.

Para quem estuda, trabalha, ou se interessa pelo tema, a programação é diversa e abrange as inúmeras linguagens e temáticas correlatas à mobilidade por bicicletas. Confira a programação completa de cada dia do Bicicultura 2016 nos seguintes links:

Quinta (26 de Maio) – Programação interna, Programação externa 1 e Programação externa 2

Sexta (27 de Maio) – Programação interna, Programação externa 1 e Programação externa 2

Sábado (28 de Maio) – Programação interna, Programação externa 1 e Programação externa 2

Domingo (29 de Maio) – Programação interna, Programação externa 1 e Programação externa 2

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Para quem trabalha com gestão pública

Um dos eixos principais da programação do Bicicultura são as oficinas, painéis, palestras e mesas voltadas à gestão pública. Temas como urbanismo, bicicletas compartilhadas, planos de mobilidade, planejamento e monitoramento cicloviário, serão abordados ao longo dos quatro dias do evento.

Os destaques ficam para a palestra do arquiteto colombiano Jaime Ortiz, que dividirá o palco com a urbanista Paula Santoro, da FAU-USP, na quinta-feira às 14h. O debate será em torno do urbanismo latinoamericano em contraposição ao eurocêntrico. Na mesma quinta-feira, às 11h30, pesquisadores e especialistas debaterão o potencial e os impactos do uso de bicicletas na saúde pública.

Sobre bicicletas compartilhadas, na sexta-feira o Prof. Russell Meddin, criador do World Bike Sharing Map e considerado o guru das bicicletas compartilhadas no mundo – fará uma palestra magna para diagnosticar o cenário atual e indicar qual o futuro dos sistemas de bicicletas compartilhadas.

Na quinta e na sexta-feira, a União de Ciclistas do Brasil fará dois módulos de oficinas sobre a bicicleta nos planos de mobilidade. No sábado pela manhã, a diretora de design global da NACTO – National Association of City Transportation Officials, Skye Duncan, fará uma palestra magna sobre o Global Street Design Guide, com enfoque no desenho viário cicloinclusivo e o papel da agenda vision zero e do active design para as cidades na atualidade.

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Sociedade civil organizada e empoderada

Juntamente com a gestão pública, os movimentos sociais e a sociedade civil organizada representam outro eixo norteador da programação do Bicicultura. Os destaques ficam para as reuniões abertas sobre o empoderamento feminino pela bicicleta, contando com a vivência e experiência de ciclistas de todo o Brasil, e outra sobre o futuro das massas críticas (Bicicletadas).

Duas chilenas prometem lotar o auditório da Praça das Artes com importantes palestras. A Profª Lake Sagaris vem ao Bicicultura para falar sobre a bicicleta e o empoderamento feminino e local, aprofundando as discussões sobre gênero na ciclomobilidade, uma das diretrizes do evento. E a cicloativista, gestora e criadora do Bicicultura Chile, Amarilis Horta, falará sobre energia humana e poder cidadão.

O painel sobre mapeamento colaborativo e dados georreferenciados pretende explorar o poder e a dimensão das plataformas abertas de produção e compartilhamento de dados, especialmente o Open Street Maps. Painelistas de todo o Brasil apresentarão suas experiências e proporão dinâmicas e oficinas com quem estiver presente.

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Para cicloviajantes e cicloturistas

Já na quinta-feira, dia 26, às 11h, haverá uma mesa de apresentações de experiências de Cicloviagens, com casos de cicloviajantes de todo o Brasil, incluindo o Alexandre Nascimento, que pedalou 12 mil quilômetros pela África.

A organização do Bicicultura, ainda, selecionou dezenas de fotografias que foram enviadas pelo edital de exposição de fotos e que muitas também contemplam o trabalho de cicloviajantes. Uma grande exposição estará montada na área aberta da Praça das Artes, permitindo com que os visitantes também vivenciem o cicloturismo através de imagens e instantes de cicloviagens já realizadas.

Além da exposição de fotos, a Mostra de Filmes – que será na quinta-feira à noite – terá muitos curtas e documentários sobre cicloturismo. Mais uma linguaguem para contemplar os amantes do turismo contemplativo sobre duas rodas.

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Para aproveitar o dia ao ar livre

A parte externa do Bicicultura possui uma programação diversa e rica, mesclando cultura, esportes, oficinas e programações noturnas.

Clínicas de bike polo e uma competição de arrancada, em pleno Viaduto do Chá, darão início à programação esportiva do Bicicultura, na quinta-feira. No sábado, uma etapa nacional de BMX Flatland promete belas e espetaculares manobras em frente ao Teatro Municipal, bem como uma competição de BMX de Rua, aproveitando-se dos obstáculos da cidade e de rampas instaladas nas escadarias do Teatro.

No domingo, uma competição de wheeling (modalidade popularmente conhecida como “chamar no grau”) ocupará todo o Viaduto do Chá, mostrando a versatilidade da bicicleta como ferramenta de inclusão e apropriação dos espaços públicos.

A parte cultural do Bicicultura inclui, durante todos os dias do evento, uma grande exposição de fotografias sobre o amplo universo da bicicleta, intervenções culturais no espaço aberto da Praça das Artes, teatro de fantoches, oficinas de silkagem, de lambe-lambe e de customização de bicicletas, clínicas de malabarismo com câmara de pneu de bicicleta, uma tenda para mapeamento colaborativo, saraus, atividades itinerantes pelo centro e uma grande exposição de bicicletas antigas.

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A noite paulistana sem largar a bicicleta

A programação noturna se iniciará na quinta-feira, às 17h30, com um show de Edgard Scandurra e Taciana Barros, do Pequeno Cidadão, autores de uma das canções contemporâneas mais simbólicas sobre uso de bicicleta em São Paulo. Após, o público se dirigirá até o Espaço Itaú Unibanco de Cinema, na Rua Augusta, onde acontecerá a Mostra competitiva inédita de Filmes sobre bicicleta, ativismo e ciclomobilidade.

Na sexta-feira a programação noturna será toda da Bicicletada Nacional Bicicultura, coincidência organizada toda última sexta-feira do mês. Após a bicicletada a Galeria Metrópole e a Livraria Tapera Taperá abrirão suas portas para uma confraternização entre ciclistas e também para lançamento de livros e publicações sobre os universos da bicicleta.

A tão esperada noite de sábado está reservada para a balada do Bicicultura. O bloco da bicicletinha, de Belo Horizonte, puxará o cortejo até o local da festa, ainda misteriosamente não divulgado pela organização.

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Estadão e seu delírio editorial http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/04/13/estadao-e-seu-delirio-editorial/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/04/13/estadao-e-seu-delirio-editorial/#respond Wed, 13 Apr 2016 14:11:12 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2016/04/FullSizeRender-12-180x124.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=506 Caras e caros leitores: silenciei. Não por estratégia, mas por acreditar que esta resposta deveria estar publicada no mesmo jornal que a origina e não neste espaço de discussão sobre a bicicleta na cidade.

Refiro-me ao editorial do jornal O Estado de S. Paulo denominado “Delírio Cicloviário”, que dirige críticas diretas a mim, como um dos diretores da Associação Ciclocidade, e à gestão do Prefeito Fernando Haddad, mirando nas políticas cicloviárias e no plano de mobilidade da cidade de São Paulo.

O editorial em questão foi publicado no dia 03 de Abril. Desde o dia 04 venho tentando contato direto com o jornal para que uma resposta, qualquer resposta, seja publicada. Sem sucesso. Mas como o silêncio também é uma eficiente forma de comunicação e, passada a carência de uma semana para que o jornal me respondesse, tomei a decisão de publicar aqui minha contestação em resposta ao editorial.

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A resposta

Não é de se espantar que o editorial do “Estadão” tenha dedicado, mais uma vez, uma centena de palavras para tentar desqualificar as políticas cicloviárias em implantação na cidade de São Paulo. Esta postura beligerante tem sido sistemática, tanto com as ciclovias quanto com as políticas de melhoria no transporte público coletivo – o que nos leva a concluir que o corpo de editores(as) do jornal segue buscando reforçar sua estratégia política de desinformar, enaltecer o status quo da desigualdade na mobilidade e de minar qualquer tentativa de mudança necessária de paradigma no uso e ocupação das vias públicas.

Esta postura se configura, sobretudo, por uma cega e obsessiva oposição a estas políticas, culminando em textos vazios de argumentos e evidências científicas. É o caso, exatamente, deste editorial, sobre o qual apresento, trecho-a-trecho, algumas respostas necessárias.

Já no primeiro parágrafo o texto anuncia a que veio:

O prefeito Fernando Haddad é mesmo incansável, não para atacar os muitos e graves problemas que São Paulo enfrenta, como seria de esperar porque é sua obrigação, mas quando se trata de lançar ideias e propostas tiradas de seu baú de hábil marqueteiro de si mesmo.

Aqui o editorial incorre em dois equívocos: 1) pressupor que a mobilidade urbana não é um grave problema que São Paulo enfrenta; e 2) afirmar que a construção de uma rede de ciclovias seria um delírio, uma peça de marketing, um rompante de iluminação messiânica do Prefeito Haddad. Ambas afirmações e ilações são incorretas do ponto de vista histórico. Explico-me a seguir.

O primeiro projeto de ciclovia, na cidade de São Paulo, é de 1980. Justamente a ligação Ceagesp – Parque Ibirapuera, que está sendo concluída neste exato momento, com 36 anos de percalços para sair do papel.

Desde a gestão de Luiza Erundina, em 1988, a cidade já acumulou inúmeros planos cicloviários, com metas de implantação. É desta mesma época o surgimento do Night Bikers Club do Brasil, inaugurando o que hoje a imprensa chama de “cicloativismo”. O movimento social em torno da bicicleta, portanto, não é neófito. Menos ainda os projetos cicloviários.

Na gestão Paulo Maluf (1993-1996), por exemplo, mais de 120 quilômetros de ciclovias foram projetadas, sendo que 32 km sairam do papel (a ciclovia da Av. Sumaré é um exemplo desta época). Se considerarmos todo o acúmulo de estruturas cicloviárias planejadas na cidade, ao longo das últimas três décadas, o número supera o total de 1,7 mil quilômetros de ciclovias e ciclofaixas propostas pela Prefeitura no âmbito do Plano de Mobilidade (PlanMob).

Ou seja, a implantação destas estruturas, considerando a história da cidade e o acumulado sobre o tema nos últimos quase 40 anos, seria um delírio do prefeito atual ou um reconhecimento desta agenda acumulada pelo suor e sangue de milhares de paulistanos e paulistanas, organizações e coletivos?

Hoje há 381 km de ciclovias, dos quais 284 km foram implantados por Haddad, total que, se ele cumprir suas promessas, chegará a 400 km ainda neste ano. Faltará 1,3 mil km até aquela data para chegar ao mirabolante 1,7 mil km anunciado.

A meta de implantar 400 quilômetros de estrutura cicloviária, que o editorial chama de “promessas”, foi referendada em programa de governo democraticamente eleito e, desde o primeiro dia da gestão Haddad, é parte do Plano de Metas da Prefeitura de São Paulo – uma obrigação legal imposta às gestões paulistanas desde 2008.

Importante ressaltar também que o então candidato José Serra, que polarizou a disputa no segundo turno com Fernando Haddad, também se comprometeu com a meta de implantar 400 quilômetros de ciclovias na cidade. Nesta matéria do próprio “Estadão, de Julho de 2012, não restam dúvidas sobre a importância da mobilidade urbana e da ciclomobilidade na agenda prioritária da cidade. Pergunto: fosse José Serra o prefeito que estivesse implantando 400 quilômetros de ciclovias, como se comportaria o editorial do jornal? Serra seria criticado, da mesma forma, como um prefeito de delírios cicloviários e ideias marqueteiras tiradas do baú?

Os comentários a respeito dessa proposta feitos por Daniel Guth, um dos dirigentes da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo e entusiasta da expansão das ciclovias, estão em sintonia com a falta de seriedade com que o governo Haddad trata essa questão. Primeiro, diz ele que há interesse e demanda na cidade por mais ciclovias. Onde estão os estudos em que se baseia para afirmar isso? Se eles existem, porque não são apontados e, em caso positivo, o que garante sua qualidade técnica?

Um grande amigo me disse que ter o nome citado em um editorial do “Estadão” tem praticamente a mesma importância de figurar na lista branca do Rodrigo Constantino. Eu ri.

Mas, afinal, o que originou esta ofensiva do jornal? Foi esta reportagem publicada no dia 27 de Março, sobre o Plano de Mobilidade de São Paulo. Uma “aspa” no meio da reportagem foi suficiente para destacar um espaço de grande visibilidade, no jornal impresso, para me criticar. Não que a opinião na reportagem original seja irrelevante ou menor, claro que não, mas o que o editorial exige, a partir de aspas simples que cumprem sua função dentro da narrativa de uma reportagem, é impossível de alcançar. E não faz o menor sentido, aliás, a não ser que toda reportagem, a partir de agora, tenha notas de rodapés com referências bibliográficas e citação de fonte para cada opinião proferida.

Uma conversa de 30 min com a repórter e o resultado foi sintetizado em uma “aspa” de 23 palavras. O que não é um problema em si, mas como poderiam saber os(as) editorialistas se, nesta conversa telefônica de meia hora, eu não citei dados, pesquisas e estudos para o que estava afirmando?

Abro um parênteses para algo que me intriga: a reportagem original, objeto da crítica e análise do editorial, me apresenta como “consultor em mobilidade” e não como um dos diretores da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo. Por que o editorial frisou enfaticamente nossa organização de ciclistas, se ela sequer foi citada na matéria original? Fecho parênteses.

Primeiro, diz ele que há interesse e demanda na cidade por mais ciclovias. Onde estão os estudos em que se baseia para afirmar isso?

Prezadas e prezados editorialistas, seguem alguns – alguns, pois há muito mais – estudos que demonstram que há interesse e demanda por mais estrutura cicloviária na cidade:

  1. Dados sobre padrão de mobilidade (fonte: Pesquisa Origem/Destino – Metrô)
    • Dados gerais região metropolitana de SP, por município e por distrito (viagens e indivíduos) – série histórica
    • Mapas viagens com bicicleta – densidade de viagens
  2. Dados sobre mortes no trânsito (fonte: Relatório Anual de Acidentes Fatais – CET)
  3. Dados sobre contagens de ciclistas (fontes: Ciclocidade, Cebrap e CET)
  4. Dados sobre o perfil de quem usa bicicleta em São Paulo (fonte: Ciclocidade/Transporte Ativo/Observatório das Metrópoles)
    • Pesquisa mais abrangente (1804 entrevistas) já realizada na cidade, contem informações extremamente relevantes sobre o perfil de quem usa bicicleta em SP.
    • Motivos porque as pessoas começam a usar bicicleta e motivos porque continuam usando
    • Características de perfil semelhantes entre os gêneros, rompendo com tradicionais mitos e falácias.
  5. Dados sobre poluição atmosférica e saúde pública (fonte: Artigo “Aspectos da poluição atmosférica na saúde pública” – autor: Dr. Paulo Saldiva)
    • O próprio Dr. Paulo Saldiva, médico e professor da Faculdade de Medicina da USP, autor deste e de outros importantes estudos e consultor da OMS (Organização Mundial de Saúde) para o tema, é um ciclista urbano cotidiano. Por que será?
  6. Dados sobre migração modal (fonte: Pesquisa sobre Mobilidade Urbana – Ibope/Rede Nossa SP/FecomercioSP)
    • 44% das pessoas entrevistadas disseram que passariam a usar bicicleta como meio de transporte “se fosse mais seguro”. Apenas 13% responderam que não usariam a bicicleta “de jeito nenhum”.
    • Segundo a pesquisa, 80% dos(as) condutores(as) de automóveis disseram que deixariam de usar o carro caso houvesse condições adequadas para a migração modal. Mais e melhores ciclovias são apontadas com destaque para incentivar esta migração.

A lista de estudos e pesquisas poderia seguir preenchendo páginas e páginas deste artigo. Para quem estuda o tema, não restam dúvidas sobre interesse e demanda por mais estruturas cicloviárias em São Paulo e em praticamente todas as cidades brasileiras.

Uma premissa básica da mobilidade urbana – que deve ser considerada e compreendida quando se analisa o tema –  é a da indução de demanda. Se mais estrutura viária para circulação de automóveis induz demanda para que mais automóveis sejam emplacados e circulem na cidade (vide exemplo da Marginal Tietê), então mais estrutura cicloviária induzirá demanda para que mais ciclistas circulem na cidade. O que não faltam são exemplo internacionais, aliás. É tão cristalino quanto afirmar que diminuir os limites de velocidade é uma medida eficaz para reduzir mortes no trânsito e melhorar a fluidez do tráfego.

É preciso reconhecer que o sr. Guth tem a atenuante de seguir o mau exemplo dado pelo atual governo municipal, que nunca apresentou à população qualquer justificativa técnica, de comprovada seriedade, para a rápida expansão daquelas vias exclusivas. Em vez de estudos sobre a demanda por esse tipo de transporte – indispensável, já que as ciclovias têm impacto não negligenciável sobre o sistema viário –, a Prefeitura se limitou a dizer, genericamente, que a oferta estimula a demanda.

Considerando que o sistema cicloviário é uma pauta da sociedade desde a década de 1980, conforme indicado no início do artigo; considerando que a cidade já acumulou mais de 1,7 mil quilômetros de projetos de infraestrutura cicloviária ao longo dos últimos 36 anos; considerando que esta é uma pauta que foi referendada pelo voto popular e democrático e consolidada em programa de metas pela Prefeitura; considerando que priorizar os deslocamentos ativos (pedestres e ciclistas, especialmente) é prioridade perante a Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12); considerando que o Plano Diretor Estratégico e o Plano de Mobilidade são os instrumentos legais que norteiam o desenvolvimento urbano de São Paulo e dos sistemas de mobilidade urbana; e, finalmente, considerando que há uma infinidade de dados e estudos que sustentam as políticas públicas de promoção do uso de bicicleta, quais outras “justificativas técnicas”, de “comprovada seriedade” o Estadão busca, senão a evidência de sua própria incapacidade em reconhecer a importância e a urgência desta agenda para São Paulo?

As ciclovias foram implantadas sem planejamento, em meio a um estardalhaço demagógico. Não foi por acaso que elas começaram na região central, em bairros de classe média, até chegar à Avenida Paulista, enquanto patinavam na periferia onde tudo indica que sua necessidade é maior.

Em primeiro lugar parece que o “estardalhaço demagógico” só acontece por editoriais e posicionamentos de parte reativa da sociedade que ainda tem dificuldade em aceitar que a mobilidade urbana precisa, com urgência, de maior equidade na redistribuição dos espaços públicos, visando a democratização e a redução das desigualdades.

Quanto à falta de planejamento, indico a leitura da História dos Estudos de Bicicleta na CET (boletim nº 50, escrito pela arquiteta Maria Ermelina B. Malatesta), uma síntese de boletins e estudos da companhia, que mostram como historicamente são construídos estes projetos na administração pública. Porém, se o editorial se refere a projetos específicos de estruturas, são milhares e milhares de folhas ao todo, de projetos desenhados para cada intervenção realizada. Nós, como associação, já tivemos acesso a alguns destes projetos para consulta pontual. Não me parece crível que um jornal não tenha as mesmas condições de acesso. Caso encontrem dificuldades, a LAI (Lei de Acesso à Informação) está aí e tem se mostrado uma ferramenta excelente para obtenção de dados e informações. Fica a dica.

Não admira também que, em consequência, a maioria das ciclovias do centro esteja quase sempre deserta.

Com que base o editorial afirma que “a maioria das ciclovias do centro está quase sempre deserta”?  Onde estão os estudos em que se baseiam para afirmar isso? Se eles existem, porque não são apontados no editorial e, em caso positivo, o que garante sua qualidade técnica? Considerando as inúmeras pesquisas indicadas acima, os dados apontam para um cenário totalmente distinto ao advertido pelo editorial: um aumento constante e significativo no uso de bicicleta na cidade.

Que boa parte dos ciclistas continue preferindo as faixas dos carros e ônibus e as calçadas, e que a maioria deles se julgue uma classe privilegiada – anda com frequência na contramão, sem equipamentos de segurança e trata os pedestres com a grosseria e a agressividade que condenam nos motoristas de carro. E ai de quem ouse criticá-los.

Ora, se a necessidade maior por infraestrutura está na periferia, segundo palavras do próprio editorial, não seriam justamente as pessoas residentes na periferia as principais beneficiadas por estas estruturas? Se a pesquisa de perfil de quem usa bicicleta em São Paulo (indicada acima) comprovou que quem usa bicicleta em São Paulo, majoritariamente, tem renda entre 1 e 3 salários mínimos, e pedala longas distâncias para chegar ao seu destino, estaria o editorial afirmando que ciclistas da periferia são “uma classe que se julga privilegiada”? Ou concluímos que são vícios de uma narrativa que objetiva apenas a desconstruir as políticas públicas inclusivas de mobilidade?

Com relação ao uso de contramão e calçadas, tenho uma ótima notícia para o jornal: a implantação de estrutura cicloviária praticamente zera este “problema”. Enquanto, em 2010, 20% de quem circulava de bicicleta pela Av. Paulista usava a contramão, após a implantação da ciclovia este número caiu para 1%. Isto mesmo: UM PORCENTO. Se, em 2010, 27% usava as calçadas para se deslocar, em 2015, após a ciclovia, o número caiu para 2%. Segue relatório completo com estes dados.

Ou seja, se a roleta russa de críticas do editorial mirava na desqualificação da rede cicloviária, os dados, estudos e pesquisas concretamente apontam para a necessidade e urgência dela.

 

CONCLUSÃO

O jornal faz questão de desqualificar quem usa bicicleta em São Paulo, impondo-lhes a pecha de petulantes e insolentes foras da lei, bem como de pessoas deslumbradas e áulicas com a gestão Haddad.

Somos áulicos sim. Não com a gestão, tampouco com o Haddad, mas com a agenda da bicicleta e da ciclomobilidade, com as políticas públicas e discussões sobre uma cidade melhor, mais humana, inclusiva, democrática e diversa. Talvez estes sejam conceitos ainda muito distantes da equipe editorial do “Estadão”, áulicos com a agenda de manutenção dos privilégios de poucos, áulicos com o poder econômico que os mantém escravizados na corda bamba da desinformação, do escárnio e das mentiras.

 

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Organizações de ciclistas e pedestres comemoram queda nas mortes no trânsito, mas fazem ressalvas http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/03/22/nota-queda-mortes-transito/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/03/22/nota-queda-mortes-transito/#respond Wed, 23 Mar 2016 00:44:47 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2016/03/432157_320867194623147_563231831_n-180x120.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=498 Nesta terça-feira a Folha publicou o balanço do número de mortes no ano passado no trânsito paulistano. Foi a maior queda desde 1998. Na série histórica de medições da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), o número de mortes foi o menor desde 1979.

Os dados reforçam a importância de políticas públicas integradas e continuadas, que impactam direta e literalmente na vida da população. Na reportagem publicada, para apresentar tese contrária o urbanista Flamínio Fichmann credita a queda das mortes à crise econômica que vive o país. Em sua opinião, “com menos atividade econômica há menor mobilidade de pessoas e cargas. Isso diminui o potencial de acidentes”.

Tal argumentação talvez pudesse ganhar terreno se a queda de mortes fosse um evento isolado, temporal. No entanto, ao analisar o gráfico dos últimos 10 anos, observa-se que a tendência de queda vem se acentuando ano-a-ano desde, pelo menos, 2007 – ano em que o PIB brasileiro cresceu 5,4%.

Não é preciso ser especialista em estatística para constatar que o dado fundamental é justamente a análise histórica e os fatores – especialmente as políticas públicas – que corroboram para esta queda.

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Sobre estes fatores que influenciaram a queda e também sobre os resultados do balanço divulgado pela CET, a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade) e a Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo (Cidadeapé) soltaram agora à noite uma nota pública comentando a dimuição das mortes no trânsito em São Paulo.

Segue a nota, na íntegra:

Nota sobre diminuição das mortes no trânsito na capital

É com uma mistura de satisfação e melancolia que a Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo e a Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo recebem a notícia de que as mortes caíram 20,6% no último ano na cidade de São Paulo. Entendemos que as políticas públicas de acalmamento de tráfego são decisões acertadas, que já mostram sua efetividade na proteção de vidas – tais como Áreas 40, redução de velocidade nas avenidas, ampliação da rede cicloviária e intensificação na fiscalização de trânsito. Por outro lado, ainda é inaceitável a alta taxa de letalidade no trânsito na cidade, especialmente entre os elementos mais frágeis, os(as) pedestres e ciclistas.

Não aceitar nenhuma morte no trânsito deveria ser um objetivo central encalçado não apenas pela Prefeitura de São Paulo, mas por toda a sociedade. Como diz a agenda mundial ‘Visão Zero’, não podemos considerar inevitável nenhuma morte ou lesão corporal causada por atropelamentos, colisões  e outras ocorrências no trânsito. Ainda que o número de pedestres morto(a)s tenha caído 24,5% no último ano, e o de ciclistas, 34% – sugerindo avanços na segurança viária – as 450 vidas ceifadas indicam que há muito a ser trabalhado em São Paulo.

O Código de Trânsito Brasileiro deixa claro no artigo 29 que “os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”. Isso significa que a segurança de quem se desloca com a energia do próprio corpo deve ser a prioridade número um no sistema de trânsito e circulação de pessoas e bens.

Com o intuito de fomentar um debate sério e contribuir para tais avanços, listamos três desafios básicos:

  • A fragilidade institucional das políticas públicas

A Prefeitura de São Paulo é signatária da Década de Segurança Viária, agenda proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU), que estabeleceu como meta a redução de 50% nas mortes decorrentes do trânsito até 2020. As medidas adotadas até o momento, em análise objetiva, visam ao cumprimento dessa meta. São, no entanto, notadamente insuficientes e frágeis, visto que dependem da manutenção de medidas administrativas que estão sujeitas a vontades políticas. Como bem sabemos, as políticas públicas de proteção à vida são alvo de ataques por setores específicos que não estão dispostos a abrir mão de privilégios históricos nem mesmo para salvar vidas.

  • O déficit na fiscalização

Há setores na sociedade que parecem fechar os olhos para a violência extrema que se manifesta no nosso sistema viário e insistem em criticar as medidas de fiscalização das infrações de condutore(a)s de veículos. Nós, que temos por preocupação fundamental a segurança daqueles e daquelas mais frágeis no trânsito, defendemos que a fiscalização não somente seja intensificada, mas também que os governos municipais e estaduais unam forças no combate à impunidade de condutore(a)s inconsequentes, superando disputas partidárias. Pressupõe-se, afinal, que nenhum cidadão são e justo advogue pelo aumento da mortalidade no trânsito.

É importante lembrar que a maior parte das infrações de trânsito ainda passa incólume à fiscalização, especialmente aquelas que dizem respeito à preferência de pedestres nas travessias, à passagem preferencial de pedestres e ciclistas nas conversões e ao comportamento imprudente de alguns condutore(a)s em relação à Mobilidade Ativa. Por isso, defendemos que a CET não só continue com seu programa de fiscalização da velocidade dos veículos, mas também aumente a presença de agentes que possam autuar e coibir as infrações de trânsito que ponham em risco a vida de pedestres e ciclistas.

Outro ponto essencial é a ampliação das blitzes, de competência das polícias estaduais, que poderiam tanto coibir o uso de carros e motos após o consumo de álcool e outras substâncias, quanto poderiam tirar de circulação centenas de condutore(a)s que se encontram com suas carteiras de habilitação suspensas por excesso de autuações. Se intensificada a fiscalização, a Lei Seca (Lei 11.705/2008) seria ainda mais eficaz nas madrugadas, período de maior letalidade das ocorrências no trânsito paulistano.

  • O (anti) debate que dificulta os avanços

Por fim, repudiamos a irresponsabilidade de algumas opiniões supostamente “técnicas” e posturas assumidas por alguns veículos de comunicação que, por razões puramente político-ideológicas não declaradas, atribuem a redução de mortes no trânsito na cidade de São Paulo exclusivamente à crise econômica, em uma tentativa de desacreditar e deslegitimar as medida de acalmamento do trânsito, principalmente as ações de fiscalização e de redução de velocidade.

Enquanto ações de proteção à vida já mundialmente referendadas forem totalmente desqualificadas,  mais difícil será evoluir o debate sobre medidas e políticas públicas adequadas para extinguir a  carnificina que ainda macula, cotidianamente, o trânsito paulistano.

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Governo do Distrito Federal começa a implantação do projeto ‘mobilidade ativa’ de Águas Claras; confira fotos http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/03/21/aguas-claras/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/03/21/aguas-claras/#respond Mon, 21 Mar 2016 23:57:26 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2016/03/IMG_3979-180x118.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=477 Depois de meses de discussões entre a população local, organizações e coletivos de ciclistas, o Governo do Distrito Federal, através da Secretaria de Estado de Gestão do Território e Habitação, iniciou a implentação do projeto ‘mobilidade ativa’ e da rede cicloviária da região administrativa de Águas Claras, no Distrito Federal.

A intervenção completa compreende, além da implantação de ciclofaixas, também a redução de limites de velocidade de algumas vias, a adoção de “Zonas 30 km/h” (com medidas de acalmamento de tráfego), além de espaços mais qualificados para pedestres e ciclistas.

Apesar de ter sido concebido com ampla participação da população local interessada, o projeto encontrou resistência de alguns moradores do bairro e quase foi abandonado pela gestão do Governador Rodrigo Rollemberg (PSB).

No início de Fevereiro o presidente da NOVACAP – a empresa pública responsável por parte da implantação do projeto – chegou a responder, por email, que só retomaria o projeto quando houvesse “o deslinde da contenda entre usuários de automóveis e de bicicletas”.

Em nota, a ONG Rodas da Paz questionou a postura do Governo Rollemberg e buscou esclarecer alguns fatos:

Dado que o projeto não se encontra sub judice e não há base formal que questione a execução do projeto Mobilidade Ativa, parece descabido que uma política pública não seja cumprida, havendo a devida autorização legal dos órgãos pertinentes e orçamento disponível. Tal omissão na execução abre margem para qualquer política pública ser engavetada em função de boatos sem fundamentação técnica, ou de comentários nas mídias sociais de cidadãos indispostos a cumprir com a lei.

No início do mês de Março, em evento externo de inauguração de 11 novas estações das bicicletas compartilhadas de Brasília, o Governador Rollemberg foi confrontado publicamente por manifestantes para dar um posicionamento sobre a implantação definitiva do projeto de Águas Claras. Até um abaixo-assinado foi criado para pressionar o governo. Constrangido, o governador não se posicionou publicamente.

Quase vinte dias depois, porém, equipes da NOVACAP foram vistas e as primeiras sinalizações começaram a ser feitas. As fotos abaixo foram enviadas por moradores do bairro e compreendem a primera etapa de intervenções do projeto.

De acordo com Renata Florentino, presidente da ONG Rodas da Paz: “o projeto sair do papel é uma conquista importante da população de Águas Claras. O bairro vai finalmente começar a parecer um bairro planejado, com as transformações que ocorrerão já nos próximos meses. A torcida é que as pessoas que ainda não estavam suficientemente impactadas para usarem bicicletas, que se sintam estimuladas a experimentar a bicicleta dentro do seu bairro, deixando o carro em casa, inclusive para chegar até o metrô e ir para outra cidade. Águas Claras está vivendo um momento de ocupação dos espaços públicos e a bicicleta vem somar a este movimento”.

Sobre a possibilidade de ampliação desta experiência para outros setores administrativos do Distrito Federal, Florentino revela que “Taguatinga e Ceilândia já estão se mobilizando para receber o projeto mobilidade ativa e estamos na torcida para que o exemplo de Águas Claras seja um marco na mudança dos paradigmas das políticas de transportes no Distrito Federal”, concluiu.

Confira as fotos, enviadas com exclusividade à Folha:

 

Foto: Rodas da Paz/Divulgação
Foto: Rodas da Paz/Divulgação

 

Foto: Rodas da Paz/Divulgação
Foto: Rodas da Paz/Divulgação

 

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Foto: Rodas da Paz/Divulgação

 

Foto: Rodas da Paz/Divulgação
Foto: Rodas da Paz/Divulgação
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Taipei, capital do Taiwan, entre o rodoviarismo, as scooters e o respeito às pessoas http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/03/07/taipei/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/03/07/taipei/#respond Mon, 07 Mar 2016 16:44:43 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2016/03/IMG_3846-180x90.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=440 A cidade de Taipei, capital de Taiwan, está localizada ao norte da ilha de Formosa e tem uma população estimada em 2,6 milhões de habitantes. Juntamente com Nova Taipei e Keelung, a cidade de Taipei é parte de uma conurbação metropolitana de quase 7 milhões de pessoas.

Contando com a prevalência de políticas rodoviaristas e uma rede de vias elevadas, túneis e grandes avenidas, a cidade Taipei hoje vive o paradigma de todas as metrópoles mundo afora: congestionamentos crescentes, poluição atmosférica alarmante, mortos e sequelados por um trânsito motorizado e violento e a desertificação dos espaços públicos.

Surpreende a quantidade de feridos em colisões e atropelamentos em toda Taiwan, número que praticamente dobrou desde 2008, induzido especialmente pelo aumento no uso de motocicletas, scooters e outros veículos motorizados sobre duas rodas.

Taiwan feridos

A distribuição de viagens entre os modos de transporte, em Taipei, é de 28% de viagens realizadas em motocicletas (scooters), 15% em automóveis e 57% de modos coletivos ou ativos. Destes, 31% em ônibus, 25,3% a pé, 25,2 % no metrô e 9% em bicicletas. A meta, para 2020, é ampliar para 12% (no total) a participação da bicicleta na divisão modal da cidade.

Os altos índices de uso de motocicletas fazem do Taiwan o país com a mais alta taxa de motos por habitantes em toda a Ásia. São quase 650 motos para cada 1 mil habitantes! Enquanto o Vietnam possui uma taxa de 412 motos e a Tailândia, 304 motos para cada 1 mil habitantes.

As inúmeras políticas públicas voltadas à indução do uso massivo de motocicletas podem ser observadas por toda a cidade. A combinação entre conveniência, acessibilidade (financeira) e facilidade explicam o crescimento desenfreado de motos em Taiwan e em boa parte da Ásia. Em Taipei, para estacionar uma motocicleta basta acessar a calçada. O custo é zero.

Scooters estacionadas em todos os lugares, por toda cidade (Foto: Zé Lobo/Transporte Ativo)

O custo para circular de motocicleta é de $ 0,09 por km; enquanto que por carro o índice sobre para $ 0,38 por km. O uso misto do solo faz com que os deslocamentos médios fiquem entre 10 e 20 minutos. Todas estas características, combinadas, induzem diretamente os taiwaneses a migrarem de suas tradicionais bicicletas – ou mesmo do transporte público – para as poluidoras e barulhentas scooters.

Preocupada com os rumos desta anunciada tragédia da mobilidade urbana, a cidade de Taipei tem realizado esforços interessantes e notáveis para romper com esta tendência. E é sobre eles que este artigo pretende se debruçar com mais intensidade daqui em diante, uma vez que a problematização já está apresentada.

 

Respeito com as pessoas e com quem se desloca a pé

Taipei é uma cidade extremamente agradável para se deslocar a pé. Apesar da rede de centenas de quilômetros de minhocões, viadutos, túneis e grandes avenidas e da enxurrada de scooters, o design e a infraestrutura dedicada para quem caminha em Taipei são um ótimo exemplo para muitas cidades pelo mundo, especialmente para cidades brasileiras.

A largura das caçadas, o piso padronizado, os aclives sem degraus, o acabamento, o impecável sistema de drenagem, o rebaixamento de quase 180º nas esquinas, as faixas de travessia na diagonal, as faixas verdes onde não há calçada, as velocidades máximas controladas, as zonas 30 km/h, as vielas compartilhadas, enfim, basta caminhar pela cidade e perceber como o active design está presente em cada canto da cidade. Vejam alguns destes bons exemplos a seguir:

Calçada larga com piso padrão
Calçada larga com piso padrão
Rua de uso misto com compartilhamento
Rua de uso misto com compartilhamento
Faixa de travessia na diagonal
Faixa de travessia na diagonal
Faixa verde para pedestres (onde não há calçadas)
Faixa verde para pedestres (onde não há calçadas)

Velo-city em Taipei

Foi com base neste cenário da mobilidade urbana, e com o desejo de mudança, que a Prefeitura de Taipei e a Europeen Cyclists’ Federation (ECF) organizaram o maior encontro internacional de ciclomobilidade, o Velo-City, que terminou no último dia 01 de Março.

Com presença massiva de gestores públicos, autoridades e de ativistas de toda a Ásia, esta foi a terceira edição do Velo-city que aconteceu fora da Europa – a primeira foi em Vancouver, no Canadá e a segunda em Adelaide, na Austrália.

Como ação simbólica, e de enorme repercussão local, o Prefeito de Taipei resolveu pedalar mais de 500 quilômetros, de uma ponta a outra da ilha, em menos de 30 horas. E chegou à cidade já no segundo dia do evento, trazendo consigo a determinação de mudar a realidade para quem se desloca de bicicleta na capital taiwanesa a partir do seu exemplo pessoal. Uma iniciativa um tanto populista, é verdade, mas de forte impacto midiático e simbólico.

Sobre os debates, painéis e palestras que ocorreram nos dias do Velo-city, indico assistir os hangouts curtos que a comitiva brasileira fez, publicados pelo portal Bike é Legal. Seguem: Hangout 1, Hangout 2 e Hangout 3. Foram 4 dias de grande aprendizado, trocas de experiência e também de preparação para o Velo-city de 2018, que acontecerá no Rio de Janeiro. Isso mesmo: o Rio será sede, em 2018, do maior evento sobre bicicleta e mobilidade no mundo!

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Bicicletas públicas e privadas em Taipei: do Youbike às calçadas compartilhadas

Por toda a cidade de Taipei se vê estações de bicicletas e bicicletas laranjas e amarelas circulando. Trata-se do sistema de bicicletas compartilhadas de Taipei, chamado You-bike.

Com mais de mil cidades pelo mundo já tendo implementado seus próprios sistemas de bicicletas compartilhadas, torna-se ingrata a tarefa de chamar a atenção para este ou aquele sistema. No entanto, pelos números a que temos acesso, o You-bike pode ser considerado um dos melhores sistemas do mundo.

Lançado experimentalmente em 2009, o You-bike foi inicialmente muito criticado pela imprensa e por setores conservadores da sociedade taiwanesa (nota aos leitores: viram que não é privilégio de São Paulo?). Com sua ampliação, gratuidade nos primeiros 30 minutos, integração plena com o metrô, sistema automatizado de fácil uso e funcionamento 24h, o You-bike rapidamente se tornou a política pública de mobilidade mais elogiada pela população, contando hoje com 94% de aprovação e 8,57 viagens realizadas diariamente por cada bicicleta do sistema.

São mais de 220 estações e 7.300 bicicletas à disposição da população. A meta é, até 2018, atingir 400 estações e reduzir a distância entre elas para apenas 350 metros – o que dá menos de 5 minutos de caminhada.

Durante a abertura do Velo-city, em Taipei, o CEO da Giant, Sr. King Liu – idealizador e patrocinador do You-bike – elencou as cinco principais táticas que fazem deste um sistema tão utilizado e querido pela população; táticas que poderiam ser utilizadas como diretrizes para implantação de qualquer sistema pelo mundo:

1. Bike sharing e a mobilidade urbana. Bicicletas compartilhadas devem, obrigatoriamente, fazer parte do sistema de mobilidade da cidade. Por isto, aconselhou o Sr. Liu, os órgãos de trânsito e de transportes devem coordenar ou estar diretamente envolvidos.

2. Parceria público-privada. Apesar de já existirem inúmeros casos de sistemas de bicicletas compartilhadas financiados diretamente com recursos de orçamento público, os altos custos de implementação e manutenção dos sistemas ainda aproximam as administrações públicas dos grandes financiadores e patrocinadores. Porém, segundo Sr. Liu, “o lucro não pode nunca ser uma prioridade. A empresa que apoiar um sistema de bike sharing visando ‘lucro’, terá uma desagradável surpresa e o sistema não funcionará”. Ou seja, mesmo que estes sistemas sejam financiados por grandes corporações da iniciativa privada é o interesse público que deve sempre ser norteador e ditar o planejamento e as funcionalidades.

3. Fácil de usar e acessível financeiramente. O sistema tem que ser fácil, ágil e imediato. Complicar a operação afasta atuais e potenciais usuários. Cobertura territorial, capilaridade, integração intermodal, integração tarifária, política tarifária acessível e informações físicas são alguns dos elementos fundamentais para que um sistema de bicicletas compartilhadas funcione plenamente.

4. Funcionamento 24/7. Não importa o dia e o horário, as you-bikes estão disponíveis para qualquer pessoa. O sistema, além de garantir acesso total 24/7, possui um call center também 24h, assistência 24h e 3 turnos diários de equipes para fazer manutenção nas bicicletas diretamente nas estações.

5. Serviço deve superar expectativas. Ainda segundo o Sr. Liu, é preciso que o sistema de bicicletas compartilhadas devolva, aos usuários, um senso de felicidade – aspecto que raramente é considerado por quem planeja e opera estes sistemas.

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Para quem se desloca de You-bike ou de bicicleta particular, a cidade de Taipei ainda não oferece uma rede bem estruturada de infraestruturas exclusivas, confortáveis e seguras. No final do ano passado, inclusive, por pressão de alguns setores da sociedade, a Prefeitura removeu uma ciclofaixa que havia sido implantada em 2012 e que teria custado, à época, algo em torno de 5 milhões de dólares. Confira o vídeo:

Em Taipei impressiona a quantidade de ciclistas usando as calçadas em seus deslocamentos – o compartilhamento das calçadas ainda é muito presente em países e culturas orientais. Esta característica é também induzida por sinalização específica para este compartilhamento, o que aponta para uma realidade pouco convidativa para quem se desloca utilizando o viário e não as calçadas: condutores de veículos motorizados – scooters, automóveis e ônibus, principalmente – não estão acostumados com a presença de ciclistas no viário e o poder público, ao oficializar o compartilhamento das calçadas, reforça este ideia de que bicicletas não são bem-vindas nas ruas.

Mesmo em menor quantidade é possível observar ciclistas buscando o compartilhamento das ruas, uma vez que, com um pouco de apoio do poder público, a relação com os veículos motorizados poderia ser bem mais harmoniosa – sem ofuscar, contudo, a necessidade por infraestrutura segregada e que legitime a presença de bicicletas na via pública e não mais nas calçadas.

As medidas de controle das velocidades máximas, por exemplo, associadas às vielas internas de bairro que já se apresentam como ruas de compartilhamento pleno, criam um cenário naturalmente convidativo para o uso de bicicleta. As faixas de rolamento da direita, nas vias arteriais – principais avenidas, possuem velocidade máxima reduzida, o que indica uma preocupação com os mais frágeis no trânsito e que circulam em velocidades reduzidas.

Ciclista compartilhando o viário
Ciclista compartilhando o viário
Cislista comparilha calçada com pedestres
Cislista comparilha calçada com pedestres
Ciclofaixa oficializa compartilhamento com pedestres
Ciclofaixa oficializa compartilhamento com pedestres
Ciclofaixa oficializa compartilhamento com pedestres
Ciclofaixa oficializa compartilhamento com pedestres

Uma bicicleta no fim do túnel

O Velo-city de Taipei foi acompanhado de perto por técnicos e gestores da Secretaria de Transportes da Prefeitura, além do próprio Prefeito e da Secretária de Transportes. É notória e pública a vontade política em realizar transformações na mobilidade visando uma cidade menos desigual e com mais qualidade de vida.

Com altos investimentos no cicloturismo em todo o país – já há mais de uma década -, com o sucesso do You-bike e com o fracasso do modelo rodoviarista como solução para a mobilidade, as políticas para quem usa bicicleta e a sola do pé para se deslocar parecem ganhar uma nova dimensão na cidade de Taipei. E o Velo-city, por sua vez, impulsionou este entendimento para muito além das fronteiras da ilha de Formosa.

Para concluir, deixo este vídeo sobre a demolição de um dos minhocões que cortava a cidade. Derrubada esta que revelou uma dinâmica diferente naquele espaço e que resgatou, inclusive, a beleza de um dos patrimônios históricos da cidade.

 

 

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Carros vs não-carros http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/02/15/carros-vs-nao-carros/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/02/15/carros-vs-nao-carros/#respond Mon, 15 Feb 2016 13:19:57 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2015/12/11348094_867837866641576_1748531025_a.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=420 12037981_428785903912789_4099195564575641897_n
Não carro circulando em via pública (Foto: Rachel Schein/Página da Rachel)

A literatura sobre mobilidade urbana está repleta de terminologias e conceitos que dizem pouco sobre a mobilidade em si e muito sobre a nossa subserviência ao modelo rodoviarista vigente durante a maior parte do século XX.

Modelo rodoviarista que, infelizmente, ainda povoa nosso imaginário e coloniza a linguagem e que pode ser observado, por exemplo, ao abrir o jornal e se deparar com a frase “Homem morre em acidente e motorista arrasta bicicleta por 30 km”; ou quando nos surpreendemos, em um evento público do Ministério das Cidades, com técnicos(as) se referindo às bicicletas como “não motorizados” (como mostra esta apresentação oficial realizada em audiência na Câmara dos Deputados).

O uso de termos supostamente técnicos e correntes como não motorizados, acidentes de trânsito, leito carroçável e usuários de bicicleta, suscitam uma discussão dialética importante sobre a mobilidade urbana contemporânea.

O Código de Trânsito Brasileiro (lei nº 9.503/97), já em seu artigo 1º evidencia o que tecnicamente é entendido como trânsito:

§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.

Ora, se o Código de Trânsito Brasileiro considera trânsito a utilização das vias por pessoas, por que, então, as terminologias da mobilidade são norteadas por vocábulos e conceitos relativos ao modos motorizados de transporte?

Trata-se, mais uma vez, não de uma problematização inócua e exagerada, mas sim de uma agenda importante de afirmação do que a própria lei maior sobre o trânsito já diz. O subjugamento à lógica rodoviarista a que nos sujeitamos diariamente nas ruas das nossas cidades – pedindo licença aos motoristas para conseguir atravessar uma rua, implorando ao poder público por segurança e conforto mínimos para poder se deslocar de bicicleta – só reforça a necessidade de uma revisão completa das terminologias e conceitos sobre mobilidade urbana, ainda hoje devotados aos carros e seus condutores e planejadores.

Os tópicos abaixo não visam a esgotar o assunto, mas propõem uma reflexão entorno do debate necessário e contemporâneo sobre a linguagem e as práticas sociais na área da mobilidade urbana. Vamos a eles:

“Acidentes de trânsito”

Este é definitivamente o termo mais utilizado para se referir a atropelamentos e colisões. Todos os dias vemos “acidentes de trânsito” acontecendo, mesmo quando estamos falando de homicídios. Vejamos o que diz o dicionário Houaiss sobre o vocábulo “acidente”:

acontecimento casual, inesperado, fortuito

Um(a) motorista embriagado(a), em alta velocidade, atropela e mata um(a) pedestre. Seria este um acontecimento casual, inesperado, fortuito? Vamos além: digamos que alguém resolva comprar um revolver e sair às ruas com ele, carregado, e comece a brincar de mirar nas pessoas. Se o gatilho subitamente disparar e uma bala atingir alguém, será este também um acontecimento casual, inesperado, fortuito?

Como muito bem escreveu Gregorio Duvivier em sua coluna aqui na Folha, “blindado no carro, mato quem quiser e saio ileso – inclusive da Justiça”. Atropelamentos ou colisões só podem ser considerados “acidentes de trânsito” depois da perícia e do processo transitado em julgado. Antes disto devem ser tratados pelo que são, objetivamente: colisões ou atropelamentos. Ou, como ilustrou Woodrow Phoenix sobre a iminência de ser assassinado por um carro ao transitar a pé, “imagine que você está andando por uma rua onde todos os edifícios têm pianos pendurados para fora, pendendo sobre sua cabeça”.

O esvaziamento até a ausência de culpa e o processo de aceitação dos crimes de trânsito como meros acidentes, acontecimentos casuais e fortuitos, levou-nos a uma preocupante apatia que blinda nossa capacidade de indignação com o fato de termos, no Brasil, mais de 50 mil mortos no trânsito todos os anos, segundo dados do DPVAT.

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“Autocracia” (Ilustração: Woodrow Phoenix/Autocracia)

“Carro desgovernado atropela pedestre”

Para banalizar os crimes de trânsito e transformá-los em acidentes, quanto mais distantes eles estiverem do fator humano, melhor. A trágica notícia de um atropelamento, por exemplo, noticiada como se carros não tripulados estivessem atropelando pessoas pelas ruas, contribui sobremaneira para a banalização destes crimes.

O atropelamento, nestes casos, é causado pelo condutor ou pela condutora do veículo, e não pela iniciativa espontânea da máquina. A não ser que transformers ou os carros não tripulados do Google já estejam circulando por aí e ninguém nos avisou.

Seguem três exemplos de reportagens com esta abordagem em veículos (de imprensa) de grande circulação: “Carro desgovernado atinge banca de pastel”,  “Câmera registra carro desgovernado que atropelou pedestres”, “Carro desgovernado atropela três homens na calçada”.

“Não-motorizados”

– Bom dia, eu gostaria de falar com o não-Carlos.

– Quem?

– O não-Manoel.

– Não sou eu.

– O sr. não é o não-João?

– Com quem o Sr. quem falar, afinal?

Referir-se à mobilidade por bicicleta ou à mobilidade a pé como “não-motorizados” é, talvez, o símbolo máximo da subserviência ao rodoviarismo. Não se trata apenas da necessidade de afirmação dos modos ativos de deslocamento, mas de questionar, afinal, quais são as prioridades para a mobilidade urbana no país e porque o balizador-ideal-padrão do deslocamento na cidade (e de sua linguagem) ainda é o motor.

A Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12) já em seu artigo 3º escancara a incoerência:

§1º São modos de transporte urbano:

I – motorizados; e

II – não motorizados.

E, no artigo 6º, aponta as diretrizes:

A Política Nacional de Mobilidade Urbana é orientada pelas seguintes diretrizes:

II – prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado;

Imaginem, leitoras e leitores, se no texto da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, por exemplo, os negros fosse chamados de não-brancos. Ou se a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres se chamasse Secretaria Nacional de Políticas para as não-homens.

Alguns poderão afirmar que a agenda afirmativa e de opressão é distinta entre os exemplos acima citados. Evidentemente que as agendas são distintas, cada uma com sua necessidade de afirmação, identidade e reparação histórica, mas é inegável a opressão do desenvolvimentismo rodoviarista – aliado à tecnocracia neo-liberal – que marginalizou, ao longo dos anos e especialmente durante o século XX, todos e todas que buscavam outras formas de deslocamento que não os automóveis.

A pergunta que surge é: quais seriam os termos conceitualmente corretos para se referir (e valorizar) a quem se desloca a pé, em bicicleta, triciclo, skate e patins? Organizações da sociedade civil têm utilizado termos como “modos ativos de transporte”; o Código de Trânsito Brasileiro se refere às bicicletas como “veículos a propulsão humana”. Ou seja, a referência não é mais o motor ou a queima de combustível, mas sim a energia metabólica e a interação do corpo com a cidade.

“Transporte alternativo”

Na mesma linha de raciocínio dos “não-motorizados”, utiliza-se o termo “transporte alternativo” para se referir a todos os modos de deslocamento que não sejam motorizados (individuais ou públicos). As viagens feitas a pé ou em bicicleta, por exemplo, estariam contempladas como alternativas. Vamos ao dicionário Houaiss, mais uma vez, para verificar o significado de alternativo:

  • capaz de funcionar como outra resposta, remédio, saída etc;

  • que se propõe em substituição ao sistema cultural, técnico ou científico estabelecido;

  • que representa uma opção fora das instituições, costumes, valores e ideias convencionais

Imaginando que os homens (Homo) já eram bípedes, segundo registros ancestrais, há 7 milhões de anos; que as bicicletas foram inventadas e popularizadas a partir de 1818, e que os automóveis foram inventados há menos de 140 anos; quais seriam, portanto, os meios de transporte convencionais e quais seriam os alternativos?

Peguemos os dados da Pesquisa de Mobilidade (2012) da região metropolitana de São Paulo como exemplo. A divisão dos modos motorizados x modos ativos é de 25,1 milhões de viagens/dia realizadas por modos motorizados contra 29,7 milhões por modos ativos. Ou seja, há mais viagens realizadas por modos de transporte “alternativos” do que pelos modos “convencionais”.

Concluindo, não apenas os modos de transporte chamados de alternativos são mais antigos, como também mais utilizados. Podemos, então, chamar os automóveis de “sistema alternativo de transporte” a partir de agora?

“Usuário de bicicleta”

O termo usuário remete a um ser passivo da máquina, do motor que o transportará. Ao optar por usar sua própria energia para se deslocar, o indivíduo abdica da noção de usuário de uma máquina, de um sistema, e passa a regrar o seu deslocamento pela lógica da apropriação do espaço público, criando território com seu próprio corpo.

Diferentemente de um condutor de veículo automotor, que é carregado por uma máquina e, dependente desta relação, define seu poder na sociedade, uma pessoa caminhando ou se deslocando com uma bicicleta não é carregada por uma máquina, pois a energia mecânica para se desdobrar em movimento vem do próprio metabolismo, das pernas, do corpo.

Para movimentar os pedais e, portanto, fazer as rodas girarem, o indivíduo não se torna um usuário daquele instrumento mas é o instrumento que se torna parte do seu corpo – otimizando a energia metabólica e a transformando em movimento.

O termo usuário de bicicleta, por conseguinte, é inadequado e, mais uma vez, remete à lógica tecnocrata e de mediação da máquina e do motor.

 

Para concluir, a escravidão do automóvel

*livremente inspirado no artigo Energia e Equidade, de Ivan Illich¹

O uso massivo de energia física – para além da energia metabólica do próprio corpo – é psiquicamente escravizante e desigual por princípio. Não é possível sonhar com uma sociedade igualitária e libertária e seguir insistindo em tecnologias de alto consumo de energia.

Este consumo, para além de uma certa quantidade, reproduz a mesma lógica desigual do sistema viário e de transporte de uma cidade. Ou seja, para que uma pessoa faça uso do carro para se locomover é preciso que muitas outras estejam enlatadas nos coletivos ou espremidas nas calçadas.

Se 30% dos que se locomovem diariamente de carro são responsáveis pela ocupação de 80% do sistema viário da cidade de São Paulo², torna-se analogamente inviável imaginar que automóveis poderiam figurar como solução para a mobilidade urbana. Para que poucos privilegiados possam circular com bastante espaço e conforto, nesta análise, foi necessário impor um sistema opressor e de milhares de pessoas subjugadas a uma narrativa baseada na tecnocracia, no desenvolvimentismo e na infinita ocupação dos espaços públicos por máquinas que, se não estão circulando, estão ocupando muito dos nossos escassos solo e subsolo.

Neste aspecto, e em muitos outros, os carros são máquinas absolutamente escravizantes.

O aumento do consumo de energia, extrapolando os limites da energia que o nosso corpo produz e da capacidade que a natureza tem de se recuperar plena e concomitantemente ao seu fornecimento e ao consumo, nos escraviza e impõe a uma insaciável (e falsamente velada) disputa de poder e controle social sobre a tecnocracia contemporânea.

Resvalam-se, sobre as questões acima, grandes conflitos armados da atualidade e as inequidades da vida em sociedade.

A utopia, força motriz que nos conduz a seguir em frente, passa por repensar e reconduzir a uma nova ordem, onde as aspirações materialistas serão consumadas sem o luxo que vemos e de maneira colaborativa e pouco mecanizada, equilibrando a balança entre força de trabalho, produção e consumo.

As altas velocidades – e aqui não há como não citar as famigeradas marginais Tietê e Pinheiros – garantem aos privilegiados a ilusão de pertencer ao mundo dos grandes consumidores de energia. Não obstante pensar em reduzir os limites de velocidade destas vias se transformou, até o momento, em um cavalo de batalha entre alguns privilegiados e a Prefeitura de São Paulo. Como ousa o Sr. Prefeito confrontar o direito inalienável às altas velocidades dos grandes gastadores de energia?

É imperativo que nos afastemos, pouco a pouco, da lógica escravista e individualista do carro e da queima de combustíveis fósseis, e nos reaproximemos, cada dia mais, daquilo que nos une: nosso corpo e a motricidade humana.

Consumo de energia por passageiro na RMSP

 


 

¹Disponível no livro Apocalipse Motorizado: a tirania do automóvel em um planeta poluido, Ned Ludd (org.)

²Fontes: Pesquisa de Mobilidade (2012) da Região Metropolitana de São Paulo e CET – Companhia de Engenharia de Tràfego

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Após suspensão do TCM, Prefeitura desiste de edital de chamamento para sistema de compartilhamento de bicicletas http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/01/26/prefeitura-desiste-de-licitacao-para-sistema-de-compartilhamento-de-bicicletas/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/01/26/prefeitura-desiste-de-licitacao-para-sistema-de-compartilhamento-de-bicicletas/#respond Tue, 26 Jan 2016 21:28:41 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2016/01/bici-281-180x103.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=401 No último dia 16 de Janeiro a Prefeitura de São Paulo publicou um comunicado para receber propostas de instalação e manutenção de estações de uso compartilhado de bicicletas na cidade de São Paulo.

Trata-se de uma mudança na estratégia da Prefeitura, que até então apostava em um edital de chamamento público contendo regras e alterações fundamentais visando a melhorias e ampliação dos sistemas de bicicletas compartilhadas em funcionamento na cidade.

Um comunicado, diferentemente do edital de chamamento público ou de uma licitação, é um instrumento jurídico que cria uma brecha para que as empresas operadoras de sistemas de bicicletas compartilhadas possam apresentar propostas segundo seus desejos e interesses. Estas propostas são compiladas em termos de cooperação com a municipalidade, sem a garantia de um processo transparente e a necessária inclusão de ítens fundamentais que manteriam o interesse público do sistema.

A partir de 2013, após a inserção do sistema de bicicletas compartilhadas no Plano Diretor Estratégico (PDE), a sociedade civil e os próprios operadores passaram a demandar da Prefeitura a criação de um novo instrumento – menos frágil e mais transparente – para consolidar esta política. Este instrumento seria uma licitação, seguida de uma concessão, não onerosa aos cofres públicos, de um sistema único em operação na cidade, que obrigaria a concessionária a seguir diretrizes públicas, contando inclusive com penalidades para o descumprimento de regras.

De acordo com Thiago Benicchio, gerente de transportes ativos do ITDP – Institute for Transportation and Development Policy, “a importância de uma licitação seria a de estabelecer metas de ampliação e operação, definindo as obrigações de cada parte. O sistema de São Paulo, por exemplo, ainda não tem bons indicadores de performance, especialmente se comparado com o do Rio, que tem mais ou menos o mesmo número de bicicletas e estações, mas quase o dobro do número de viagens/bicicleta e viagens totais”.

Em Agosto do ano passado a Prefeitura de São Paulo, com o apoio e a indicação de ciclistas, chegou a publicar uma minuta de um edital de chamamento público do sistema, contando com importantes alterações em suas regras, como mais transparência dos dados, índices de performance, penalidades para o descumprimento de regras, maior proximidade entre as estações, ampliação da integração com o bilhete único, dentre outras propostas.

No dia 13 de Agosto, no entanto, o chamamento foi suspenso pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) por uma solicitação do conselheiro Edson Simões, que alegou que não houve tempo suficiente para análise dos argumentos de uma representação enviada por uma empresa.

Segundo o Secretário de Transportes, Jilmar Tatto, “se o Tribunal de Contas (TCM) liberar, a Secretaria retomará o edital de chamamento público na mesma hora”.

A fragilidade de não ter uma licitação pública definitiva do sistema certamente será testada, ainda, durante o processo eleitoral deste ano, através do interesse político dos programas de governo dos candidatos à Prefeitura de São Paulo. Caso haja o desejo pela descontinuidade das bicicletas compartilhadas em São Paulo, os termos de cooperação são instrumentos jurídicos de fácil implosão.

Para a superintendente de relações governamentais e institucionais do Itaú, Luciana Nicola, responsável pela operação do Bike-Sampa, “o sistema está tão consolidado na cidade que, independente do instrumento jurídico que se escolha hoje, não há riscos de qualquer descontinuidade ou retrocessos”.

Ainda sobre a importância dos sistemas de compartilhamento de bicicletas, Benicchio afirma que “o ITDP está concluindo um relatório sobre os sistemas em quatro capitais brasileiras (São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte), com o objetivo de ajudar a melhorá-los, pois os sistemas são fundamentais para a evolução do uso de bicicletas nas cidades”.

Se os dados locais e as experiências internacionais indicam que bons sistemas de compartilhamento de bicicletas favorecem imensamente o uso urbano deste importante meio de transporte, seria justo que a população paulistana contasse com a garantia de continuidade, melhoria e ampliação deste sistema.

 

Futura bicicleta compartilhada em Fortaleza (Foto: Anônimo/Massa Crítica)
Futura bicicleta compartilhada em Fortaleza (Foto: Anônimo/Massa Crítica)

Em Fortaleza, uma novidade para acompanhar de perto

A Massa Crítica de Fortaleza (ou Bicicletada) – grupo de ciclistas que se encontra uma vez ao mês em uma “coincidência organizada” – está estruturando um projeto autogestionado de bicicletas compartilhadas, especialmente para atender a população da periferia da capital cearense, que hoje não conta com nenhuma estação de bicicletas compartilhadas fora do centro e das regionais I, II e III.

Notadamente inspiradas nas white bicycles – criadas no final da década de 1960, em Amsterdã, como parte das ações do movimento de contracultura holandês denominado de “provotariado” – o as bicicletas brancas de Fortaleza ainda passarão por novas deliberações do coletivo. Detalhes como a definição dos bairros por onde começar e a forma de liberação das bicicletas ainda serão motivos de discussões e futuras definições.

A ideia parece interessante e promissora. Vamos acompanhar.

 

 

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Em teste de capacetes, Inmetro e Fantástico prestam desserviço ao uso de bicicleta nas cidades http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/01/12/teste-de-capacetes/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2016/01/12/teste-de-capacetes/#respond Tue, 12 Jan 2016 15:56:46 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2015/12/11348094_867837866641576_1748531025_a.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=375 Reprodução/ TV Globo
Reprodução/ TV Globo

Com a colaboração de João Lacerda

Sempre é bom analisar o interesse e a forma que se promove o uso do capacete. Principalmente para entender quem se beneficiaria com o uso massivo deste equipamento. Uma reportagem veículada no domingo, durante o programa Fantástico, da TV Globo, demonstrou testes realizados pelo Inmetro em 8 marcas de capacete disponíveis no mercado. CLIQUE AQUI para assistir a matéria completa.

Os apresentadores dão o tom tendencioso da reportagem:

“Inmetro hoje vai testar um equipamento que todo mundo deveria usar, mesmo não sendo obrigatório”.

Se o equipamento não é de uso obrigatório pela legislação brasileira, por que a precipitada conclusão de que “todo mundo deveria usar”? Não seria mais honesto dizer que hoje a legislação faculta seu uso e deixar que cada um, com sua própria capacidade de análise crítica, faça sua própria conclusão?

Já no início da reportagem em si, um estudo é destacado na tela:

“54,1% dos brasileiros praticam algum esporte ou atividade física, e o ciclismo ocupa o 2º lugar na preferência geral”.

Este é um dos principais equívocos conceituais de toda a proposta da dupla dinâmica Inmetro-Fantástico. De qual uso de bicicleta estamos falando? Com que finalidade? Não é possível padronizar os usos e dizer que o ciclismo esportivo se assemelha ao uso como meio de transporte, uma vez que os comportamentos, as velocidades, as premissas, enfim, são totalmente distintas.

O uso do capacete em uma prova de ciclismo de estrada ou em uma prova de mountain bike e trilha, por exemplo, caracteriza-se pela relação direta que os participantes atletas tem em adotar posturas e comportamentos de risco, inerentes à prática da atividade esportiva em si. Nelas, o uso do capacete é indicado – ou obrigatório, como o fazem os organizadores de provas – pois os tombos, os galhos, os escorregões são comuns e fazem parte, inclusive, do imaginário de quem participa destas provas.

Já aos ciclistas urbanos, trabalhadoras e trabalhadores conectados à bicicleta como solução para sua mobilidade na cidade, as premissas são outras e não se processam da mesma maneira. A segurança destes está diretamente ligada às relações entre os veículos, no espaço viário compartilhado, e não ao tamanho da armadura que possam ostentar. Não à toa, nas grandes cidades brasileiras, 80% dos ciclistas não se envolveram em nenhum caso de colisão e/ou atropelamento nos últimos 3 anos, segundo pesquisa recém lançada pela ONG Transporte Ativo.

“Pois é, também tô nessa. Sabe como é, tive neném e agora tenho que voltar ao meu corpinho sensual. E escolhi pedalar. Adoro”  Dona Encrenca, personagem fictício criado pelo quadro do Fantástico

Este é mais um reforço sobre o foco da reportagem: a bicicleta tratada como um mero instrumento para se praticar alguma atividade física. Em toda a reportagem não há nenhuma menção à bicicleta como meio de transporte, que é a principal motivação para seu uso. Ainda segundo a pesquisa de perfil do ciclista brasileiro, 88% dos ciclistas entrevistados, em todo o Brasil, usam a bicicleta para ir e voltar do trabalho. Ou seja, como meio de transporte.

“Nós resolvemos testar capacetes em função de estarmos observando um aumento aumento significativo no uso de bicicleta; principalmente nas grandes cidades”  Alfredo Lobo, diretor do Inmetro

Até este momento da fala do diretor do Inmetro, a reportagem relacionou a bicicleta unicamente sob o aspecto da atividade física e do lazer. O aumento no uso de bicicleta citado pelo representante do Inmetro, concluimos, diz respeito ao uso recreacional e esportivo, então? Aliás, um parênteses: em quais pesquisas/estudos o diretor do Inmetro se baseou para afirmar que o uso de bicicleta, no Brasil, está aumentando?

“Será que os capacetes estão prontos para resistir a um impacto e proteger os usuários?” – enuncia a voz em off, na reportagem

O Inmetro testou dois tipos de impacto: uma queda a 19,5 km/h em ciclovia ou ciclofaixa, e outro a 16 km/h com queda na sarjeta. Deixando de lado os resultados para estes dois testes, vamos avaliar a metodologia escolhida:

Qual a principal causa de morte ou ferimentos graves de ciclistas nas cidades? Os dados são bastante elucidativos: atropelamento e imprudência de condutores de veículos motorizados (carros, ônibus e caminhões, principalmente). Tecnicamente, o que chamamos de atropelamento as autoridades de trânsito chamam de colisão entre veículos (automóvel colidindo com uma bicicleta; o que é uma nomenclatura um tanto questionável, pois praticamente isenta os seres humanos de qualquer participação… mas não vamos entrar neste debate agora).

Vejamos o que diz o relatório 2014 de mortes no trânsito da CET-SP sobre a causa de morte de ciclistas (por colisão ou atropelamento): dos 47 ciclistas mortos em 2014, 15 morreram atropelados por automóveis; 7 por caminhões; 11 por ônibus e 1 por motocicleta.

Ora, se os veículos motorizados é que são os principais responsáveis pelas mortes de ciclistas – e também de pedestres, aliás – então seria lógico e bastante óbvio que o principal teste do Inmetro, para os capacetes, simulasse um atropelamento/colisão entre uma bicicleta e um veículo motorizado, não? E o que fizeram o Inmetro e o Fantástico? Nada. Silenciaram. Esqueceram. Não acharam importante.

Nossa suposição é a seguinte: como o resultado seria também lógico e óbvio, a reportagem optou por “omitir” a questão mais essencial para qualquer ciclista urbano. Se o Inmetro e o Fantástico tivessem seriedade e hombridade com a mobilidade por bicicleta, eles fatalmente testariam os capacetes em uma situação real de segurança aos ciclistas urbanos e nós ouviríamos a seguinte conclusão:

“Os resultados foram inconclusivos, pois não apenas nenhum capacete passou nos testes, como também, se algum tivesse passado, o resultado final seria o mesmo – independente do uso ou não deste equipamento. O que leva o Fantástico e o Inmetro a concluirem, caros telespectadores, que a segurança dos ciclistas nas cidades brasileiras está especialmente relacionada em como os veículos motorizados se portarão com eles; e não em como eles se protegerão dos veículos motorizados. Concluimos que, assim como os profundos problemas de segurança pública não são solucionados com muros altos e carros blindados, a segurança de quem se desloca de bicicleta não se encontra nos equipamentos de proteção individual, especialmente o capacete. Cabe ao poder público – e não à armadura dos cidadãos – criar as condições adequadas para que as pessoas, em qualquer veículo, possam se deslocar confortavelmente e em plena segurança”.

O que se viu no entanto foi um desfile de senso comum sem qualquer embasamento. Chegou às raias do absurdo ao colher o depoimento de uma ciclista de perfil esportivo que repete um mantra dos que defendem o capacete acima até do bom senso e de estudos sérios: “Se eu não estivesse de capacete, não estaria viva”.

 

A agenda obscura do Inmetro e a conclusão

Segundo fontes do mercado de bicicletas, há meses o Inmetro trabalha em uma proposta de tornar compulsória a certificação dos capacetes. À luz do que foi feito com partes e peças de bicicletas, esta certificação pode parecer um elemento positivo para o uso de bicicleta no Brasil, mas não é. Com a certificação obrigatória, o uso obrigatório será a próxima medida demandada naturalmente, uma vez que, supostamente, sua “segurança e eficácia” estará resguardada pelos testes de laboratório.

Conforme apontamos em outro artigo publicado nesta coluna, tornar obrigatório o uso do capacete seria uma medida com resultados catastróficos para o uso de bicicleta no Brasil, assim como o foi nos locais onde foi implantada.

Pela lógica de beneficiar o usuário do produto capacete, o teste do inmetro faz sentido, mas nem isso a reportagem foi capaz de provar. Afinal, o padrão brasileiro é mais uma “solução jabuticaba” que não se enquadra nos padrões internacionais de certificação já existentes. Aqueles implementados em nações vitimas do lobby do capacete quando de sua adoção massiva para atividades desportivas.

Outro argumento para questionar a eficácia da certificação de capacetes como benéfica ao usuário, está na completa falta de regras de segurança para as bicicletas comercializadas atualmente no Brasil. Freios que não freiam, alavancas de modelos infantis que são duras demais para as crianças, a falta de critérios capazes de garantir com que o ciclista tenha em mãos um produto seguro deveria se concentrar com mais intensidade onde a certificação fosse ser mais benéfica, isto é, na qualidade da bicicleta em si, que hoje ainda deixa bastante a desejar.

A certificação compulsória de partes e peças da bicicleta, hoje em vigor no Brasil, na prática não garante um produto seguro e ainda cria mais barreiras de oportunidades em um mercado extremamente desigual de oportunidades – vale lembrar que 40% da produção nacional de bicicletas está na informalidade em decorrência, especialmente, da altíssima carga tributária do setor. Mas este tema será fruto de outro artigo nesta coluna.

O mercado coloca nas mãos de consumidores um veículo aquém de parâmetros mínimos de funcionamento e certamente o selo do inmetro poderia ser responsável por auxiliar melhores escolhas na hora de comprar uma bicicleta. Mas, infelizmente, não é o que vemos. Parece-nos, pelos resultados práticos, que o Inmetro tem servido muito mais ao lobby das grandes fabricantes – que desejam esmagar os pequenos e médios fabricantes e ver o Brasil com poucas marcas e concentradas no Polo Industrial de Manaus – do que dos interesses e direitos dos consumidores, ciclistas brasileiros. A certificação do capacete, concluimos, parece pedalar no mesmo sentido.

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A bicicleta em 2015: melhores e piores http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2015/12/28/a-bicicleta-em-2015/ http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/2015/12/28/a-bicicleta-em-2015/#respond Mon, 28 Dec 2015 18:14:39 +0000 http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/files/2015/12/IMG_18351-180x99.jpg http://abicicletanacidade.blogfolha.uol.com.br/?p=326 2015 foi, digamos, um ano bastante polêmico para a mobilidade urbana no Brasil. Em São Paulo, por exemplo, acompanhamos com satisfação a implantação de novos limites de velocidades nas vias arteriais, com resultados já impactantes para a segurança de todos no trânsito. Além da queda nas velocidades altas, também vimos a queda nas vendas e produção de carros no Brasil, que recuaram 25% e 22%, respectivamente, com relação a 2014.

Por outro lado, em Sorocaba, vimos o motorista Fabio Hattori ser condenado a cumprir medidas socioeducativas e ficar com a CNH suspensa por apenas cinco meses, depois de atropelar e matar seis jovens à beira da Rodovia Raposo Tavares. Fabio estava embriagado ao volante.

Sejam fatos positivos ou negativos, a questão é que a mobilidade urbana finalmente assumiu um papel de maior protagonismo no dia-a-dia da sociedade, do poder público e da iniciativa privada. Isto se deve, principalmente, às manifestações de Junho de 2013, que tiveram início em profundos debates sobre o sistema de transporte público nas cidades brasileiras. Mas também destaco a Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/12), que obrigou a criação de planos de mobilidade para todos os municípios com mais de 20 mil habitantes, com prazo final até abril de 2015.

Para celebrar, portanto, a chegada de 2016, aqui listamos os melhores e os piores da mobilidade por bicicleta (ciclomobilidade) neste ano que está chegando ao fim.

 

10 notícias ótimas para a ciclomobilidade em 2015

 

1. A mobilidade como um direito social constitucional

Em Setembro deste ano o Congresso Nacional promulgou a PEC 90/15, de autoria da Deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que incluiu o transporte como um direito social garantido pela Constituição Federal. Uma iniciativa de fundamental importância para a mobilidade urbana nas cidades, especialmente para a melhora na oferta e no acesso ao transporte público.

Deputada Luíza Erundina participa de Seminário, em Brasília (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)
Deputada Luíza Erundina participa de Seminário, em Brasília (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

 

2. Ciclovia da Avenida Paulista e Paulista Aberta

A conquista da ciclovia da Avenida Paulista, uma demanda de mais de uma década e inaugurada em Junho deste ano, foi um acontecimento de repercussão nacional. Não apenas pela importância da intervenção em si, para a mobilidade urbana, mas também pela simbologia que esta obra carrega. Quatro meses após a inauguração da ciclovia da Av. Paulista a Prefeitura de São Paulo agregou mais um importante capítulo para a humanização das vias públicas da cidade, lançando o programa Ruas Abertas aos domingos. A própria Av. Paulista, até como reconhecimento à sua vocação histórica, foi a estreia da primeira Rua Aberta, que seguirá por ruas e avenidas nas 32 subprefeituras da cidade.

Avenida Paulista em dia de Paulista Aberta (Foto: Rachel Schein/ Página da Rachel)
Avenida Paulista em dia de Paulista Aberta (Foto: Rachel Schein/ Página da Rachel)

 

3. Implantação da Área Calma, em Curitiba

Um perímetro central composto por 140 quadras e com velocidade máxima reduzida para 40km/h. Além da padronização de velocidades máximas mais adequadas, o projeto prevê medidas de acalmamento de tráfego, estrutura cicloviária e intervenções para garantir plena acessibilidade.

Área Calma implantada em Curitiba (Foto: Goura Nataraj)
Área Calma implantada em Curitiba (Foto: Goura Nataraj)

 

4. Fórum Nordestino da Bicicleta, no Recife

Este ano também foi marcado pela realização do primeiro FNEbici, o Fórum Nordestino da Bicicleta. Com a participação de dezenas de cidades nordestinas, o Fórum problematizou os desafios mais contemporâneos da ciclomobilidade.

Assembleia final do Fórum  Nordestino da Bicicleta (Foto: Ameciclo)
Assembleia final do Fórum Nordestino da Bicicleta (Foto: Ameciclo)

 

5. A nova Cidade da Bicicleta, em Porto Alegre

Em Junho de 2013 os ciclistas de Porto Alegre foram obrigados a entregar o imóvel no bairro Menino Deus, local onde se concentrava uma série de atividades ligadas à bicicleta. Dentre elas, a oficina comunitária, que era mantida de maneira autônoma e cooperativa. Este ano, visando a recuperar este espaço tão importante para a cultura urbana da bicicleta, a Associação Mobicidade criou um projeto de financiamento colaborativo para a aquisição de um contêiner e futura instalação da nova Cidade da Bicicleta, desta vez embaixo do Viaduto dos Açorianos. O projeto foi integralmente financiado, em Setembro, e já está em fase de implantação.

Ofinica comunitária no antigo endereço (Foto: divulgação)
Ofinica comunitária no antigo endereço (Foto: divulgação)

 

6. A luta pelo projeto cicloviário de Águas Claras

O Distrito Federal não é apenas vias expressas, altas velocidades e mega estacionamentos. Há vida para muito além do marcante desenvolvimentismo rodoviarista de Brasília. Um exemplo disto é a movimentação popular que ocorreu este ano às voltas do projeto cicloviário da região administrativa de Águas Claras. Um projeto de intervenção completa que compreende a implantação de zona 30km/h, redução de velocidades, ciclofaixas e calçadas compartilhadas, com potencial para ser o primeiro bairro do Distrito Federal com vias totalmente humanizadas.

Projeto de intervenção em Águas Claras (ilustração: divulgação)
Projeto de intervenção em Águas Claras (ilustração: divulgação)

 

7. Integração da bicicleta com o metrô, no Recife

Desde Novembro os ciclistas do Grande Recife contam com uma importante novidade: a permissão de embarque com as bicicletas no metrô, todos os dias, a partir das 20h. Aos finais de semana (sábado, a partir das 14h e domingo o dia todo) a entrada das bicicletas já era permitida. A novidade deverá ajudar muitos ciclistas, especialmente os iniciantes.

Ciclistas testam integração da bicleta com metrô (Foto: Everton Irineu/RBC)
Ciclistas testam integração da bicleta com metrô (Foto: Everton Irineu/RBC)

 

8. Ciclofaixa da Maré, no Rio de Janeiro

A ciclofaixa da maré é a primeira estrutura cicloviária carioca feita em área de alta vulnerabilidade, dentro de uma favela. Com 22 quilômetros de extensão, a estrutura foi pintada de azul para simbolizar a harmonia, contrariando indicação do DENATRAN, porém atendendo a um pedido dos moradores do complexo.

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9. Em Manaus, a bicicleta como transporte levada cada vez mais a sério

O anode 2015 foi decisivo para que a mobilidade por bicicleta fosse levada mais a sério na capital amazonense. Tanto a grande imprensa quanto o poder público acordaram para o tema e agora estão se mobilizando mais e ouvindo as organizações de ciclistas da cidade. Resta saber o que sairá do papel no último ano de gestão municipal.

Manifestação na Avenida Djalma Batista (Foto: Pedala Manaus)
Manifestação na Avenida Djalma Batista (Foto: Pedala Manaus)

 

10. Ciclofaixas em Fortaleza e o Plano Diretor Cicloviário Integrado

Em 2015 a Prefeitura de Fortaleza ampliou consideravelmente a malha cicloviária da cidade, implementando 38,3 km somente este ano e chegando à zona oeste da cidade Com ciclofaixas e ciclovias amplas, a cidade já conta com 137,4 km de estrutura cicloviária permanente e o plano, para até agosto de 2016, é chegar a 216 quilômetros.

Ciclofaixa implementada em Fortaleza (Foto: Ciclovida)
Ciclofaixa implementada em Fortaleza (Foto: Ciclovida)

 

10 notícias medíocres para a ciclomobilidade em 2015

 

1. Ministério Público contra as ciclovias e a partidarização da bicicleta em São Paulo

Em Março deste ano o Ministério Público do Estado de São Paulo, através da promotora Camila Mansour, realizou uma grande ofensiva contra a implantação do sistema cicloviário de São Paulo. Além do absurdo da ofensiva em si e da argumentação que a embasou, o esdrúxulo pedido de paralisação das obras incluía, ainda, a devolução do espaço conquistado como ciclovias para o seu estado anterior, como faixas tradicionais de rolamento. O caso, que em muito se assemelhou às loucuras do ex prefeito da cidade canadense de Toronto, Rob Ford, ganhou proporções internacionais, com uma mobilização que atingiu dezenas de cidades brasileiras e outras pelo mundo. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por fim, derrubou a liminar que colocava em risco todos os esforços históricos pela implantação das ciclovias de São Paulo e permitiu, desta forma, a continuidade do programa.

Juntamente com tantos outros episódios que já pulularam através do obscurantismo de uma certa elite conservadora paulistana, a ofensiva do MPE-SP contra as ciclovias faz coro a uma tendência extremamente perniciosa de partidarização da bicicleta na cidade, que deve ser rechaçada desde a raiz por não encontrar eco conceitual, histórico, tampouco político-ideológico.

Promotora Camila Mansour discute com ciclistas em coletiva de imprensa (Foto: Rachel Schein)
Promotora Camila Mansour discute com ciclistas em coletiva de imprensa (Foto: Rachel Schein)

 

2. Dilma se recusa a dialogar sobre compromissos assumidos durante campanha

Durante o processo eleitoral de 2014, alguns dos principais candidatos à presidência da República assumiram alguns compromissos com a mobilidade por bicicletas – processo capitaneado pela UCB – União de Ciclistas do Brasil.

A Presidente Dilma Rousseff, como candidata à reeleição, incorporou uma parte dos compromissos indicados pela UCB, entregando uma carta chamada Mais mobilidade nas cidades com o transporte não motorizado, contendo tópicos e ações fundamentais que realizaria durante o seu segundo mandato, caso de reelegesse.

Enfim eleita para cumprir seu segundo mandato, a Presidente e sua equipe de governo, até o momento, não se debruçaram sobre a carta e os compromissos assumidos durante período eleitoral e tem se recusado, reiteradamente, a receber comitiva da União de Ciclistas do Brasil para debater tais compromissos e como colocá-los em prática.

Estamos entrando no segundo ano do segundo mandato da Presidente Dilma. Vamos acordar para a questão, Palácio do Planalto?

Foto: Rafael Neddermeyer/ FCA
Foto: Rafael Neddermeyer/ FCA

 

3. A reversão na tendência de queda nas mortes de ciclistas no Distrito Federal

Desde 2005 o Distrito Federal vem reduzindo as mortes de ciclistas no trânsito. Até este ano, infelizmente. Em 2014 o índice foi o mais baixo na história do DF, com 22 mortes; no entanto o índice de 2015 elevará as mortes de ciclistas de volta para a casa dos 30. Uma mudança importante, impactante, e que necessita de uma investigação mais profunda para compreender os motivos deste aumento tão significativo. Necessitará, concomitante com a investigação, de um plano de ação urgente por parte do Governo do Distrito Federal.

mortes envolvendo ciclistas no DF

 

4. Ricardo Neis, atropelador em massa da bicicletada de Porto Alegre, continua sem julgamento

Quase cinco anos depois do strike contra ciclistas durante a Massa Crítica de 2011, em Porto Alegre, o julgamento do atropelador Ricardo Neis segue indefinido. A estratégia de defesa do reu é justamente a de protelar ao máximo o julgamento do caso, uma vez que o reu irá a júri popular e “a defesa não deseja que eles (júri popular) se lembrem do caso”, como bem pontuou a promotora do caso Lucia Helena Callegari em entrevista ao site Vá de Bike.

 

5. Fábio Reis, o deputado que atentou contra os ciclistas

Há um abismo que afasta e distancia a sociedade do Congresso Nacional e isto não é novidade nenhuma – vide Eduardo Cunha ainda na presidência da Câmara dos Deputados. O ano de 2015, em matéria legislativa, para a mobilidade urbana, foi um ano aparentemente esquizofrênico.

De um lado a mobilidade ganhou status de direito social constitucional com a PEC 90/15; de outro, projetos de lei retrógrados foram apresentados e tramitaram com perigosa rapidez. É o caso do PL 2180/15, de autoria do Deputado sergipano Fábio Reis (PMDB), que visa a punição de ciclistas que estejam circulando “fora de ciclovias e ciclofaixas”.

Felizmente, por conta da repercussão extremamente negativa e mobilização nas redes sociais, fui ao encontro do Deputado na ante-sala do Plenário, na Câmara dos Deputados, e tive o compromisso pessoal de que o PL seria totalmente alterado, se não arquivado. Uma atitude honrosa de um parlamentar que, aparentemente, ou se enganou com a proposta ou foi ludibriado por assessores e/ou grupos que desejam ver o uso de bicicleta ser reduzido no país.

Deputado Fábio Reis recebe carta pública da União de Ciclistas do Brasil (Foto: Daniel Guth)
Deputado Fábio Reis recebe carta pública da União de Ciclistas do Brasil (Foto: Daniel Guth)

 

6. Cartilha do ciclistas, lançada pelo Ministério das Cidades, não teve participação da sociedade em sua elaboração

Lançada no Dia Mundial Sem Carro como uma das principais ações do Ministério das Cidades para a ciclomobilidade, em 2015, a cartilha do ciclista é uma iniciativa que gerou polêmica desde seu lançamento. Primeiro pelo conteúdo apresentado, cujo foco está centrado na educação e comportamento dos ciclistas, enquanto veículos motorizados e seus condutores matam mais de 40 mil pessoas/ano no Brasil. Também porque o seu conteúdo, que poderia ser mais aprofundado e com alguns conceitos revistos, não teve a participação de nenhuma entidade de ciclistas ou de especialistas em ciclomobilidade.

Lançamento da Cartilha do Ciclista com o ministro Gilberto Kassab (centro). (Foto: Ministério das Cidades)
Lançamento da Cartilha do Ciclista com o ministro Gilberto Kassab (centro). (Foto: Ministério das Cidades)

 

 

7. Corredores de ônibus, em São Paulo, estão saindo sem ciclovias

Uma das principais promessas da gestão Haddad, ratificada desde as eleições de 2012, é a construção de estrutura cicloviária associada aos eixos dos novos de corredores de ônibus. Representariam, segundo cálculos da administração, um acréscimo de 150 km de ciclovias à malha cicloviária em implantação na cidade, que deverá atingir 463 km até final de 2016.

Infelizmente muitos corredores sequer sairão do papel até o final desta gestão. E, mesmo aqueles que estão sendo implementados, o que se destaca é a ausência de infraestrutura cicloviária, como é o caso dos corredores da Avenida Santo Amaro, M’ Boi Mirim e outros. A Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, através da empresa pública SPObras, por sua vez, diz que os projetos das ciclovias serão contemplados. Cobremos e acompanhemos bem de perto estas implantações.

Ciclista na Av. Inajar de Souza, onde havia promessa de ciclovia
Ciclista na Av. Inajar de Souza, onde havia promessa de ciclovia (Foto: Roberson Miguel)

 

8. Plano Diretor Cicloviário não sai do papel nem com recurso em caixa

Segundo o Plano Diretor Cicloviário (PDC) do Grande Recife, para o ano de 2015 estavam previstos 70 km de novas estruturas cicloviárias, mas até o momento nada foi executado. Durante o Fórum Nordestino da Bicicleta, que aconteceu em Recife durante o mês de Outubro, a ausência da Prefeitura e do Governo do Estado foram sentidos como um sinal de desprezo e falta de prioridade nas políticas da cidade.

Com 13% de viagens diárias já realizadas em bicicletas, a implantação de estrutura cicloviária na região metropolitana do Recife é uma medida urgente e necessária para garantir segurança, conforto e praticidade para quem já se desloca sobre duas rodas e também para aqueles que passarão a se deslocar, estimulados por estas novas estruturas.

2016, ano eleitoral, qual a ladainha eleitoreira que será utilizada para justificar o não cumprimento de metas tão claras e importantes?

Audiência Pública debate a implantação do PDC. (Foto: Ameciclo)
Audiência Pública debate a implantação do PDC. (Foto: Ameciclo)

 

9. Machismo pela bicicleta

O rico universo de quem usa bicicleta nas cidades é composto por pessoas de distintas matizes ideológicas, sociais, culturais e de gênero. Como um grande movimento social que é coeso em sua macro-proposta de promover o uso de bicicleta, destacam-se também os aspectos que nos enojam e envergonham exatamente como movimento, como coletivo.

Manifestações e atitudes machistas são exemplos disto. Não à toa, participantes da Massa Crítica de Belo Horizonte resolveram, em fevereiro deste ano, criar a Massa Crítica Feminista de Belo Horizonte, para chamar atenção para o machismo presente nos grupos de ciclistas e também para consolidar uma oportunidade para que mulheres cisgênero e trans, pessoas não-binárias, negras, gordas, lésbicas e bissexuais, pudessem pedalar livremente sem sofrer algum tipo de agressão ou violência.

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10. Complexo viário, em Fortaleza, terá 9 viadutos e 4 túneis

Apesar de ter um plano cicloviário em franca expansão e novos corredores de ônibus pensados para a cidade, obras odoviaristas ainda estão muito presentes no planejamento de Fortaleza.

Uma das obras símbolo desta equivocada visão de que obras viárias representam solução a problemas de mobilidade e trânsito é a construção – já para início de 2016 – do primeiro anel viário expresso, contando com 9 viadutos e 4 túneis.

Com custo estimado em R$ 215 milhões, o anel expresso está aprovado e aguarda apenas a liberação do financiamento no BNDES.

Foto: Fabio Lima/ ME/ Portal da Copa
Foto: Fabio Lima/ ME/ Portal da Copa

 

 

 

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